A difusão de um processo cultural deve-se ao fato
do indivíduo ter a necessidade de partilhar seus anseios. Desde o tempo das
cavernas o homem comunicava-se através da gesticulação e, com sua evolução
tornou-se um animal linguístico, capaz de propagar pela oralidade todo
conhecimento acumulado, perpetuando-o para as novas gerações.
O teatro ocidental surge nos festivais religiosos quando se
cultuava na antiga Grécia o deus Dioniso (Baco de origem latina) na forma de uma
procissão chamada Ditirambo, um cortejo, um gênero pré-dramático, os primórdios
do teatro de rua, remontando-se a partir do século VII a. C. onde mais tarde por volta de 538 a.C. os festivais
de teatro no período do governante Psístrato apresentaram tragédias e drama
satíricos.
A partir de uma grande inovação o Ditirambo
evoluiu para o Coro, com seus Coreutas, interpretes, dialogando com o Corifeu,
cantando, dançando, contando a mitologia grega, tornando-se necessário a
fixação de um local específico para tal evento, dando origem assim ao Théatron, que significa: “lugar de onde se vê”, ou seja, plateia. No século V a. C. com o desenvolvimento
dos rituais em homenagem aos deuses, principalmente os de Fertilidadade, rituais,
literatura e democracia contribuíram para a criação de um espaço físico
estabelecido para reunir as pessoas, onde passaram a acontecer então as
apresentações do coro, e, a derivação
desse nome veio a ser grafado para nós como Teatro, criando-se dessa forma a
ação na história, onde reza lenda que Téspis, após um pilequinho de vinho subiu
ao Timele, espécie de tablado (Thymele - altar em grego), dizendo
ser o próprio deus Dioniso, o que chocou muitas pessoas que julgaram tal
atitude como o maior dos sacrilégios. Depois de um tempo de proibições o
período democrático da Grécia se estabelece e o livre arbítrio dos indivíduos passa a valer,
com isso outras pessoas também subiram ao “tablado”; menos para as mulheres e
escravos que não gozavam desse direito. Por conta disso, Téspis é considerado o
primeiro ator. Ele foi um Corifeu que se destacou do coro e, ao avançar até a
frente do palco, travando um primeiro e fundamental diálogo entre um ator e o
coro. Tempos depois foi ele levado para Atenas para se apresentar nas
Dionisíacas, colocando-se à parte do coro como um solista e dessa forma surgiu
o papel do Hypokrites ou respondedor. O teatro, nesse primeiro
momento, limitava-se a uma série de odes e danças em torno da imagem de algum
deus, na maioria das vezes, o próprio Dioniso. Daí por diante surgiram os
primeiros textos teatrais.
As artes dramáticas passaram a ocupar um espaço maior na cultura
grega e com o passar do tempo, sendo aceita e consequentemente tornando-se mais
acessível aos cidadãos, caindo no gosto do povo e dessa forma a arte cênica
passou a ser o principal entretenimento. Surgiram então diversas fábulas e
histórias para serem encenadas ao público. Essa forma inusitada de comunicar as
histórias dramáticas ficou conhecida como Tragédia Grega (tragoi= bode + oidés= canto),
realizada nos sacrifícios onde os “atores” utilizavam máscaras e túnicas para
interpretar seus papéis. A tragédia passava-se em uma ampla plataforma chamada Proskénion
(proscênio) de frente para o Théatron (plateia).
As apresentações cênicas eram compostas por um coro que narrava e
tecia comentários a respeito da história central que era interpretada pelos
atores principais. As Tragédias foram escritas por homens que marcaram seus
nomes na história da humanidade. Os mais conhecidos são: Ésquilo (525 – 456 a.C.) autor de “Os Persas”,
“Prometeu Acorrentado” e das Trilogias: “Oréstia- ‘Agamenon’, ‘Os Coéforos’,
‘Os Eumênides’” e “Sete Contra Tebas: ‘Laio’, ‘Édipo”, ‘Sete Contra Tebas’”,
etc; Sófocles (495 – 405 a.C.), autor de “Édipo
Rei”, “Antígona” e “Electra”, etc e Aristófanes autor de “As Nuvens”, “Plutão” e “As
Rãs”, etc; Eurípedes(485 – 406 a.C.)
autor de “Alceste”, “Ifigênia em Tauride”, “Medéia”, “Hipólito”, “Andrômaca”
“As Troianas”, etc. Esses autores buscavam passar para o público a visão divina
da natureza, expressavam a imagem dos deuses e as crenças do povo.
A comédia era um gênero que abordava o cotidiano, as tradições e
os costumes, comumente criticados e satirizados, não muito diferente das
comédias contemporâneas. Dentre os principais autores podemos citar:
Aristófanes (445 – 385 a. C.) escreveu “A Paz”, “Lisístrata”, “A Assembleia de
Mulheres”, “Os Cavaleiros e Plutos”, etc; Menandro (340 – 292 a.C.) autor de “O
Intratável”, etc.
Ambos os gêneros derivam de rituais, sendo que o primeiro
desenvolvia-se na cidade e o segundo, em áreas rurais, onde se encontravam os
pés de uva. Conforme documentação, esses rituais eram chamados de falofóricos que
em gregro phallos=pênis) em homenagem ao deus da fertilidade.
Elementos do Teatro Grego
· arconte - o principal magistrado civil de Atenas, era quem
administrava o mega Festival anual onde eram realizados os concursos dramáticos
· corego – homem de posses, assumia a função de produtor responsável pelas
despesas referentes ao coro, músicos, figurinos e adereços, enquanto o Estado
era responsável pela manutenção dos teatros, premiação e pagamento dos atores
· indumentária – são os figurinos, trajes ou roupas, comumente chamados, eram
usados pelos atores para dar virtuosismo aos seus personagens, facilitando as
representações femininas por homens, uma vez que a mulher não podia pisar no
palco
· máscaras – elemento altamente simbólico, eram feitas de couro, pano
modelado ou madeira, confeccionadas para projetar a voz com mais potência, além
de ajudar a identificar os personagens masculinos e femininos. Elemento
altamente sagrado, não era permitido que um ator adentrasse ao espaço sagrado
de teatro sem sua máscara
· coturno – calçado projetado com uma sola de aproximadamente trinta centímetros
de altura, usado pelos atores trágicos, ocasionando efeitos de grandeza além do
humano mortal
· mimo – nomenclatura que designava os artistas improvisadores que se
apresentavam nas praças, grafia que também designa a produção teatral popular
grega
· personagem – palavra que deriva do grego: persona (máscara) e agon
(que debate, que “fala” por si, que se apresenta). Há a assunção de papéis ao
se passar por outro, não sendo ele mesmo com a máscara no rosto
· peripécia – leque de ações e fisicalizações que a personagem realiza no desenrolar
da peça
· mimeses – Afirma-se, normalmente, que o conceito de mimese corresponde a
cópia, ver-imitar-aprender. Entretanto, é importante lembrar que o conceito
pressupõe um duplo olhar, com Platão, o conceito aparece com certa conotação
pejorativa, a mimese é concebida como cópia, sombra, escravização do homem ao
mundo das aparências. Já Aristóteles contrapondo, desenvolve uma conotação
conceitualmente positiva, indicando uma mobilidade criativa na essência das
coisas, caminhando para a perfeição
Catarse - elo
plateia e atores
O processo catártico foi o meio pelo qual se cativou a plateia com
os efeitos que se perduram até hoje, inicialmente como expurgo no sentido
restrito da palavra kátharsis, uma
forma de se purificar os sentimentos ruins.
Mais tarde como forma de arrebatar a plateia todo um trabalho cênico de voz
e expressão corporal tornou-se necessário para “encurtar” a distância entre
palco e plateia. A catarse faz com que o público saia de alma lavada, com
dois elementos básicos criados por Aristóteles (384-322 a.C.), o protagonista
(herói) e o antagonista (vilão), utilizando-se de tramas e enredos entrelaçados
de componentes articulados e de formas intrigantes, envolvendo a ficção (mitos)
e a realidade (conjuntura social), buscando uma argumentação ética, através de
uma lição de vida e a moralidade
Estética da arte dramática
Deve-se a Aristóteles os primeiros estudos sobre a estética
teatral, pois esse passo foi importantíssimo para a organização da ação
dramática nas encenações das tragédias, buscando-se a perfeição cênica,
encontrando seu sucesso no processo catártico que conduzia o expectador em um
processo de identificação da plateia com o contexto dramatúrgico, uma forma tão
eficaz que é utilizada até hoje para cativar o telespectador nas novelas veiculadas
pelos massivos meios de comunicação.
Com uma observação meticulosa e alto nível de criticidade,
Aristóteles desenvolveu a partir da Poética os seguintes princípios:
· pensamento – de forma livre sua
subjetividade permite que a mente do autor expanda-se, compreendendo a
sociedade de forma atemporal, sem prejulgamentos, distante da realidade tátil,
conectando o contexto histórico a época vivenciada
· fábula – a pilastra base que se
aproveita de histórias próximas à realidade tátil, cujo enredo procura cativar
o espectador com começo (introdução)-meio (desenrolar)-ápice (clímax)-desfecho
(fim)
· caráter – personificação de
arquétipos, a base para a construção de qualquer história, a figura do
protagonista e do antagonista. A ideia de vilão e herói foi utilizada até o
século XIX, onde a partir de então surgiram à figura do anti-herói e do vilão
às avessas, o primeiro deixa em evidência o egoísmo, a vaidade, a vingança, as
fraquezas humana em detrimento das qualidades do herói trágico, já o segundo, o
vilão as avessas com um aspecto nada malévolo, acaba favorecendo suas
pseudo-vítimas com toda a sua atrapalhação, muitas vezes acaba sendo o
principal atingido pelos seus atos, ou até mesmo se convertendo para o bem.
Alguns exemplos: Anti-heróis: Dom
Quixote, O Justiceiro, Batman, Zorro – Vilões
as Avessas: Capitão Jackie
Sparrow, Gato de Botas, Dick Vigarista, Meu Malvado Preferido
· melodia – a tragédia utilizava-se da
melodia para acompanhar o texto poético nos intervalos entre dois atos. Somente
a partir do século XIX é que a música começou a fazer parte, dando ênfase em
determinado trechos importantes, sensibilizando e “preparando” a plateia para a
emoção de determinada cena, como por exemplo, a sonoplastia que se utiliza
amplamente de efeitos sonoros, trechos musicais, pausas, vozes em off, músicas
incidentais, etc
· linguagem – a função do dramaturgo
teve um papel fundamental na longevidade das obras teatrais e na difusão dos
textos dramatúrgicos por gerações até os dias de hoje, ajudando a escrever a
história do teatro, garantindo a representação de algo próximo à concepção do
autor, diferentemente do conhecimento compartilhado pela oralidade com uma
propensão maior para a subtração da ideia original e até mesmo central do
texto. O roteiro traz em si uma maior confiabilidade, como uma obra de arte
assinada por seu autor que pode retratar algumas ações ao utilizar as rubricas;
elemento que fornecem indicações cênicas, geralmente entre parênteses. Em
momento algum queremos dizer que é errado improvisar, como é o caso da Comédia
dell´Arte que se utiliza de um roteiro básico, o Canovaccio
· encenação – não queremos aqui
demonstrar se a direção é melhor que a encenação, ou vice-versa, queremos
mostrar apenas que existem diferentes formas de se assumir a concepção de um
espetáculo. A encenação no sentindo original da palavra nos remete a montagem
cênica identificada pela tríade: ação-tempo-local (o que? quando? onde?) que
interrelaciona-se com as abordagens do autor. No entanto nossa
contemporaneidade nos trás estudos mais minuciosos sobre a encenação,
apresentando algumas diferenças entre a leitura do diretor textocêntrico e a
releitura do encenador que explora outras possibilidades ao transpor o texto
dramatúrgico sendo atemporal com foco no espaço, contrapondo-se ao teatro
verborrágico que se apoia nas rubricas do dramaturgo
É sabido que a direção teatral também se utiliza de recursos
cênicos (iluminação, sonoplastia, figurinos, etc) para cumprir os pré-requisitos
textuais, podendo também a encenação utilizar-se dos mesmos recursos para
ampliar ou contrapor a intenção do autor, desconstruindo cenas e até mesmo
levantando questionamentos do texto em sim. Além dos elementos tradicionais que
encontramos em uma montagem, o encenador pode utiliza-se da ludicidade para
conseguir a ação físico-psicológica, exigindo dos atores a presença de corpo e
alma ao gestualizar, ampla ou minimante os macros e microgestos carregados de
significantes e significados, que vão da forma sublime ao grotesco. A
assinatura do encenador está na fragmentação do texto, muitas vezes com ênfase
no subtexto. Ao chegar sem nada pronto o encenador proporciona uma
imprevisibilidade no surgimento gradativo das cenas que são amparadas por sua mediação
nessa busca pelo mundo das possibilidades cênicas.
Referências:
BERTHOLD, Margot. História Mundial do Teatro. São Paulo:
Perspectiva, 2001.
PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro; tradução para a língua
portuguesa sob direção de J. Guisburg e Maria Lúcia Pereira. São Paulo:
Perspectiva, 1999.
Bob
Monteleone, é licenciado em Artes Cênicas pela Escola de Comunicação e Artes da
USP, pós graduado em Docência no Ensino Superior de Turismo, Hotelaria e Lazer-SENAC,
professor, diretor teatral e educador ambiental.
Todas as
quintas ele escreve sobre Teatro Educação aqui no EUVEJOARTE.blogspot.com