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sábado, 10 de março de 2012

A HISTÓRIA DO TEATRO I - Do Mito ao Rito: a origem do teatro - por BOB MONTELEONE


A difusão de um processo cultural deve-se ao fato do indivíduo ter a necessidade de partilhar seus anseios. Desde o tempo das cavernas o homem comunicava-se através da gesticulação e, com sua evolução tornou-se um animal linguístico, capaz de propagar pela oralidade todo conhecimento acumulado, perpetuando-o para as novas gerações.
O teatro ocidental surge nos festivais religiosos quando se cultuava na antiga Grécia o deus Dioniso (Baco de origem latina) na forma de uma procissão chamada Ditirambo, um cortejo, um gênero pré-dramático, os primórdios do teatro de rua, remontando-se a partir do século VII a. C. onde mais tarde por volta de 538 a.C. os festivais de teatro no período do governante Psístrato apresentaram tragédias e drama satíricos.

A partir de uma grande inovação o Ditirambo evoluiu para o Coro, com seus Coreutas, interpretes, dialogando com o Corifeu, cantando, dançando, contando a mitologia grega, tornando-se necessário a fixação de um local específico para tal evento, dando origem assim ao Théatron, que significa:lugar de onde se vê”, ou seja, plateia. No século V a. C. com o desenvolvimento dos rituais em homenagem aos deuses, principalmente os de Fertilidadade, rituais, literatura e democracia contribuíram para a criação de um espaço físico estabelecido para reunir as pessoas, onde passaram a acontecer então as apresentações do coro, e,  a derivação desse nome veio a ser grafado para nós como Teatro, criando-se dessa forma a ação na história, onde reza lenda que Téspis, após um pilequinho de vinho subiu ao Timele, espécie de tablado (Thymele - altar em grego), dizendo ser o próprio deus Dioniso, o que chocou muitas pessoas que julgaram tal atitude como o maior dos sacrilégios. Depois de um tempo de proibições o período democrático da Grécia se estabelece e o livre arbítrio dos indivíduos passa a valer, com isso outras pessoas também subiram ao “tablado”; menos para as mulheres e escravos que não gozavam desse direito.      Por conta disso, Téspis é considerado o primeiro ator. Ele foi um Corifeu que se destacou do coro e, ao avançar até a frente do palco, travando um primeiro e fundamental diálogo entre um ator e o coro. Tempos depois foi ele levado para Atenas para se apresentar nas Dionisíacas, colocando-se à parte do coro como um solista e dessa forma surgiu o papel do Hypokrites ou respondedor. O teatro, nesse primeiro momento, limitava-se a uma série de odes e danças em torno da imagem de algum deus, na maioria das vezes, o próprio Dioniso. Daí por diante surgiram os primeiros textos teatrais.
As artes dramáticas passaram a ocupar um espaço maior na cultura grega e com o passar do tempo, sendo aceita e consequentemente tornando-se mais acessível aos cidadãos, caindo no gosto do povo e dessa forma a arte cênica passou a ser o principal entretenimento. Surgiram então diversas fábulas e histórias para serem encenadas ao público. Essa forma inusitada de comunicar as histórias dramáticas ficou conhecida como Tragédia Grega (tragoi= bode + oidés= canto), realizada nos sacrifícios onde os “atores” utilizavam máscaras e túnicas para interpretar seus papéis. A tragédia passava-se em uma ampla plataforma chamada Proskénion (proscênio) de frente para o Théatron (plateia).
As apresentações cênicas eram compostas por um coro que narrava e tecia comentários a respeito da história central que era interpretada pelos atores principais. As Tragédias foram escritas por homens que marcaram seus nomes na história da humanidade. Os mais conhecidos são: Ésquilo (525 – 456 a.C.) autor de “Os Persas”, “Prometeu Acorrentado” e das Trilogias: “Oréstia- ‘Agamenon’, ‘Os Coéforos’, ‘Os Eumênides’” e “Sete Contra Tebas: ‘Laio’, ‘Édipo”, ‘Sete Contra Tebas’”, etc; Sófocles (495 – 405 a.C.), autor de “Édipo Rei”, “Antígona” e “Electra”, etc e Aristófanes autor de “As Nuvens”, “Plutão” e “As Rãs”, etc; Eurípedes(485 – 406 a.C.) autor de “Alceste”, “Ifigênia em Tauride”, “Medéia”, “Hipólito”, “Andrômaca” “As Troianas”, etc. Esses autores buscavam passar para o público a visão divina da natureza, expressavam a imagem dos deuses e as crenças do povo.
A comédia era um gênero que abordava o cotidiano, as tradições e os costumes, comumente criticados e satirizados, não muito diferente das comédias contemporâneas. Dentre os principais autores podemos citar: Aristófanes (445 – 385 a. C.) escreveu “A Paz”, “Lisístrata”, “A Assembleia de Mulheres”, “Os Cavaleiros e Plutos”, etc; Menandro (340 – 292 a.C.) autor de “O Intratável”, etc.
Ambos os gêneros derivam de rituais, sendo que o primeiro desenvolvia-se na cidade e o segundo, em áreas rurais, onde se encontravam os pés de uva. Conforme documentação, esses rituais eram chamados de falofóricos que em gregro phallos=pênis) em homenagem ao deus da fertilidade.
Elementos do Teatro Grego
·      arconte - o principal magistrado civil de Atenas, era quem administrava o mega Festival anual onde eram realizados os concursos dramáticos
·      corego – homem de posses, assumia a função de produtor responsável pelas despesas referentes ao coro, músicos, figurinos e adereços, enquanto o Estado era responsável pela manutenção dos teatros, premiação e pagamento dos atores
·      indumentária – são os figurinos, trajes ou roupas, comumente chamados, eram usados pelos atores para dar virtuosismo aos seus personagens, facilitando as representações femininas por homens, uma vez que a mulher não podia pisar no palco
·      máscaras – elemento altamente simbólico, eram feitas de couro, pano modelado ou madeira, confeccionadas para projetar a voz com mais potência, além de ajudar a identificar os personagens masculinos e femininos. Elemento altamente sagrado, não era permitido que um ator adentrasse ao espaço sagrado de teatro sem sua máscara
·      coturno – calçado projetado com uma sola de aproximadamente trinta centímetros de altura, usado pelos atores trágicos, ocasionando efeitos de grandeza além do humano mortal
·      mimo – nomenclatura que designava os artistas improvisadores que se apresentavam nas praças, grafia que também designa a produção teatral popular grega
·      personagem – palavra que deriva do grego: persona (máscara) e agon (que debate, que “fala” por si, que se apresenta). Há a assunção de papéis ao se passar por outro, não sendo ele mesmo com a máscara no rosto
·      peripécia – leque de ações e fisicalizações que a personagem realiza no desenrolar da peça
·      mimeses – Afirma-se, normalmente, que o conceito de mimese corresponde a cópia, ver-imitar-aprender. Entretanto, é importante lembrar que o conceito pressupõe um duplo olhar, com Platão, o conceito aparece com certa conotação pejorativa, a mimese é concebida como cópia, sombra, escravização do homem ao mundo das aparências. Já Aristóteles contrapondo, desenvolve uma conotação conceitualmente positiva, indicando uma mobilidade criativa na essência das coisas, caminhando para a perfeição
 Catarse - elo plateia e atores
O processo catártico foi o meio pelo qual se cativou a plateia com os efeitos que se perduram até hoje, inicialmente como expurgo no sentido restrito da palavra kátharsis, uma forma de se purificar os sentimentos ruins. Mais tarde como forma de arrebatar a plateia todo um trabalho cênico de voz e expressão corporal tornou-se necessário para “encurtar” a distância entre palco e plateia.  A catarse faz com que o público saia de alma lavada, com dois elementos básicos criados por Aristóteles (384-322 a.C.), o protagonista (herói) e o antagonista (vilão), utilizando-se de tramas e enredos entrelaçados de componentes articulados e de formas intrigantes, envolvendo a ficção (mitos) e a realidade (conjuntura social), buscando uma argumentação ética, através de uma lição de vida e a moralidade
Estética da arte dramática
Deve-se a Aristóteles os primeiros estudos sobre a estética teatral, pois esse passo foi importantíssimo para a organização da ação dramática nas encenações das tragédias, buscando-se a perfeição cênica, encontrando seu sucesso no processo catártico que conduzia o expectador em um processo de identificação da plateia com o contexto dramatúrgico, uma forma tão eficaz que é utilizada até hoje para cativar o telespectador nas novelas veiculadas pelos massivos meios de comunicação.
Com uma observação meticulosa e alto nível de criticidade, Aristóteles desenvolveu a partir da Poética os seguintes princípios:
· pensamento – de forma livre sua subjetividade permite que a mente do autor expanda-se, compreendendo a sociedade de forma atemporal, sem prejulgamentos, distante da realidade tátil, conectando o contexto histórico a época vivenciada
· fábula – a pilastra base que se aproveita de histórias próximas à realidade tátil, cujo enredo procura cativar o espectador com começo (introdução)-meio (desenrolar)-ápice (clímax)-desfecho (fim)
· caráter – personificação de arquétipos, a base para a construção de qualquer história, a figura do protagonista e do antagonista. A ideia de vilão e herói foi utilizada até o século XIX, onde a partir de então surgiram à figura do anti-herói e do vilão às avessas, o primeiro deixa em evidência o egoísmo, a vaidade, a vingança, as fraquezas humana em detrimento das qualidades do herói trágico, já o segundo, o vilão as avessas com um aspecto nada malévolo, acaba favorecendo suas pseudo-vítimas com toda a sua atrapalhação, muitas vezes acaba sendo o principal atingido pelos seus atos, ou até mesmo se convertendo para o bem. Alguns exemplos: Anti-heróis: Dom Quixote, O Justiceiro, Batman, Zorro – Vilões as Avessas: Capitão Jackie Sparrow, Gato de Botas, Dick Vigarista, Meu Malvado Preferido
· melodia – a tragédia utilizava-se da melodia para acompanhar o texto poético nos intervalos entre dois atos. Somente a partir do século XIX é que a música começou a fazer parte, dando ênfase em determinado trechos importantes, sensibilizando e “preparando” a plateia para a emoção de determinada cena, como por exemplo, a sonoplastia que se utiliza amplamente de efeitos sonoros, trechos musicais, pausas, vozes em off, músicas incidentais, etc
· linguagem – a função do dramaturgo teve um papel fundamental na longevidade das obras teatrais e na difusão dos textos dramatúrgicos por gerações até os dias de hoje, ajudando a escrever a história do teatro, garantindo a representação de algo próximo à concepção do autor, diferentemente do conhecimento compartilhado pela oralidade com uma propensão maior para a subtração da ideia original e até mesmo central do texto. O roteiro traz em si uma maior confiabilidade, como uma obra de arte assinada por seu autor que pode retratar algumas ações ao utilizar as rubricas; elemento que fornecem indicações cênicas, geralmente entre parênteses. Em momento algum queremos dizer que é errado improvisar, como é o caso da Comédia dell´Arte que se utiliza de um roteiro básico, o Canovaccio
· encenação – não queremos aqui demonstrar se a direção é melhor que a encenação, ou vice-versa, queremos mostrar apenas que existem diferentes formas de se assumir a concepção de um espetáculo. A encenação no sentindo original da palavra nos remete a montagem cênica identificada pela tríade: ação-tempo-local (o que? quando? onde?) que interrelaciona-se com as abordagens do autor.  No entanto nossa contemporaneidade nos trás estudos mais minuciosos sobre a encenação, apresentando algumas diferenças entre a leitura do diretor textocêntrico e a releitura do encenador que explora outras possibilidades ao transpor o texto dramatúrgico sendo atemporal com foco no espaço, contrapondo-se ao teatro verborrágico que se apoia nas rubricas do dramaturgo
É sabido que a direção teatral também se utiliza de recursos cênicos (iluminação, sonoplastia, figurinos, etc) para cumprir os pré-requisitos textuais, podendo também a encenação utilizar-se dos mesmos recursos para ampliar ou contrapor a intenção do autor, desconstruindo cenas e até mesmo levantando questionamentos do texto em sim. Além dos elementos tradicionais que encontramos em uma montagem, o encenador pode utiliza-se da ludicidade para conseguir a ação físico-psicológica, exigindo dos atores a presença de corpo e alma ao gestualizar, ampla ou minimante os macros e microgestos carregados de significantes e significados, que vão da forma sublime ao grotesco. A assinatura do encenador está na fragmentação do texto, muitas vezes com ênfase no subtexto. Ao chegar sem nada pronto o encenador proporciona uma imprevisibilidade no surgimento gradativo das cenas que são amparadas por sua mediação nessa busca pelo mundo das possibilidades cênicas.
 
Referências:
BERTHOLD, Margot. História Mundial do Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2001.
PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro; tradução para a língua portuguesa sob direção de J. Guisburg e Maria Lúcia Pereira. São Paulo: Perspectiva, 1999.







  
Bob Monteleone, é licenciado em Artes Cênicas pela Escola de Comunicação e Artes da USP, pós graduado em Docência no Ensino Superior de Turismo, Hotelaria e Lazer-SENAC, professor, diretor teatral e educador ambiental.
Todas as quintas ele escreve sobre Teatro Educação aqui no EUVEJOARTE.blogspot.com