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domingo, 4 de março de 2012

A Sociedade do Espetáculo 3 – ecos ressonantes: a resistência através da arte - por BOB MONTELEONE



as atrizes Potira Castro e Tânia Barbosa no "Inspetor Geral"
Quando fui convidado por Antônio Melo para escrever sobre Teatro-Educação no EuVejoArte, percebi que abordagens anteriores a linguagem cênica precisavam ser disseminadas, um fio condutor como uma base para a mediação de elementos da arte e da comunicação que entrelaçam-se nesse balaio cultural tão pouco valorizado na nossa cultura. Portanto, sempre que possível estaremos publicando esses adendos elucidativos. Boa leitura e reflexão!
Segundo Gilles Deleuze (1992), comunicação é transmissão e a propagação de uma informação, que nada mais são do que palavras de ordem, onde seus emissores estão acreditando que seus receptores creiam na propagação de suas palavras de ordem.
Quando uma autoridade qualquer nos comunica uma informação eles supõem que devemos crer e que temos a obrigação de crer, ou pelo menos fazer de conta que se crê, eles simplesmente pedem que nos comportemos como se acreditássemos, em suma a informação é a ferramenta de controle. Nos dias de hoje estamos entrando na sociedade de controle, onde as informações regem a sociedade, por isso o papel da arte é imprescindível, como forma de contrainformação, mas desde que seja convertida em forma de resistência. Qual a afinidade de uma obra de arte e o ato de resistência? Uma obra de arte não é um instrumento de comunicação, ela é um ruído que causa estranhamento no canal, como um rádio que esta fora de sintonia e faz com que você tire o traseiro do assento confortável e vá até o aparelho para certificar o que está acontecendo. A arte além de cumprir um papel estético ela tem a função de tirar as pessoas do estado de catatonia social, como que dando-lhes um chacoalhão para que acordem pra vida.
Para entender melhor o papel da comunicação na sociedade moderna precisamos nos remeter a uma questão anterior. O indivíduo, mediante sua evolução como ser linguístico, compreendeu a necessidade de convivência no coletivo. Para os pensadores contemporâneos existem três tipos de comportamentos coletivos (Oliveira, 2003), dentre eles:
- Multidão – origem biológica, comandada pelos ferormônios, isenta da racionalidade, ação cojunta como um só ser. Está atrelada aos primórdios da humanidade quando o indivíduo percebeu a importância de se viver em sociedade. Ações de revolta e manifestações em grandes multidões. São necessários quatro estágios para que ocorra essa comoção emocional coletiva
1º- acontecimento emocionante - um acontecimento de grande comoção social, como há pouco tempo ocorreu nos trens paralisados no rio de janeiro, a revolta dos usuários é um grande exemplo disso;
- “moedura” – encontro da multidão e troca de ferormônios entre os indivíduos
- ideia de ação – a exaltação coletiva é direcionada para um objetivo comum, quebrar o trem, por exemplo;
- corpo uno – estágio em que a multidão torna-se uma só pessoa e agem com o mesmo fim, ações instintivas promovidas pelos ferormônios.
- Massa – surge na era industrial com o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa, explorando o lado irracional e manipulável da multidão de forma individualizada, sem o contato físico. A massa acredita que pensa, porém apenas ecoa o que recebe dos meios de comunicação, que funcionam como uma agulha hipodérmica que injeta a substância diretamente na veia com resultado imediato. No intuito de ser aceito pelos seus pares o indivíduo repete costumes como a moda, por exemplo. Como a massa é dotada de um pseudo-pensamento ela necessita de um líder, um ídolo, um herói que lhes diga o que fazer guiando seus passos, por conta de suas mentes ocas e alienadas, verdadeiros indivíduos idiotizados e manipuláveis, escravizados pelos meios de comunicação de massa que acomoda cada indivíduo por conta de uma idolatria psicológica.
- Público – é o indivíduo maduro que raciocina e que possui uma percepção apurada da realidade, que defende a liberdade de expressão, seu conceito individualizado com alto grau de criticidade e reflexão, que reflete uma vida social mais questionadora, não se importando com o pathos, diferenciada dos demais conceitos explanados anteriormente.
Sim, mas onde podemos chegar com tudo isso? É muito simples, dando nome aos bois podemos entender como se dá o processo de dominação através dos meios de comunicação e que podemos resistir através da propagação da cultura genuína pelo fazer artístico. Tivemos recentemente no Teatro Municipal de Ilhéus a apresentação da peça “O Inspetor Geral” do TPI (Teatro Popular de Ilhéus), que diferentemente dos espetáculos dos globais que por aqui se apresentam. Utilizando-se da arte como forma de resistência o grupo dirigido pelo brilhante Romualdo Lisboa, que não se preocupou em adocicar a peça ao adaptar na forma de cordel o texto de Nikolai Gogol. Ao invés de levar ao público o “consumo” de uma historia mais palatável, mostrou sim de forma criativa e corajosa todas as engrenagens de um sistema falido e que beneficia uma pequena minoria em detrimento do sacrifício de milhares de pessoas. Incomodando ao invés de acomodar, o TPI mais uma vez rompeu com o establishment, sendo original na contextualização dos diálogos adaptados a realidade local, provando sua competência para se apresentar no SESI de São Paulo, além do merecimento de concorrer ao Prêmio Shell de Teatro e de participar do Festival de Teatro de Curitiba, um dos mais importantes do Brasil. Aproveito a oportunidade para externar minhas congratulações a todos os atores que desempenharam perfeitamente seus papéis, no entanto gostaria de ressaltar o desempenho cênico dos atores que representaram os personagens: a Esposa do Prefeito, Tânia Barbosa, o Músico e Chefe dos Correios, Elielton Cabeça e o Criado Takaro Vitor.

REFERÊNCIAS
DELEUZE, Gilles. “Controle e Devir”. In: Conversações(1972 – 1990). Tradução de Peterz Pál Pelbart. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.
OLIVEIRA, Ivan Carlo Andrade.Teorias da Comunicação. Brasil: virtualbooks.com.br, 2003.