O cineasta baiano, Edgard Navarro, considerado um
dos mais criativos e ousados do cinema brasileiro, participa do 2º Festival de
Cinema Baiano – Feciba, que acontece em Ilhéus, de 2 a 7 de abril. O diretor estará
presente em um bate-papo sobre seu mais novo longa “O homem que não dormia”,
que será exibido no próximo dia 7, no Teatro Municipal de Ilhéus.
Navarro iniciou-se em 1976, com o curta “Alice no país das mil novilhas”, realizado no formato super-8, com o qual faz mais
quatro filmes até 1981. Desde então, vem dirigindo filmes que ganharam destaque
em festivais Brasil afora, como “Porta de Fogo” (1982/1984), o antológico “Superoutro”
(1987/1989), entre outros curtas e média metragens. Aos 56 anos, Navarro
dirigiu seu primeiro longa, “Eu me lembro” (2005) que lhe rendeu sete candangos
no 38ª Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.
“O homem que não dormia”, também premiado, é uma
trama que foi concebida há 33 anos e que fez o diretor se debater com a
necessidade psicologicamente pungente de realizá-la. Nesta entrevista, Navarro
fala sobre o filme, o cinema baianoe suas expectativas.
·
Tacila Mendes - Depois de quase 30 anos de carreira no cinema, você
conseguiu realizar seu primeiro longa, “Eu me lembro”, que arrebatou sete
prêmios no Festival de Brasília de 2005. A que se deve esta realização tardia?
E como foi o processo para viabilizar seu segundo filme “O homem que não
dormia”?
Edgard Navarro - A realização tardia se deveu
principalmente ao fato de que por mais de três décadas a Bahia esteve dominada
pela dinastia ACM. Naquele período não havia nenhuma política pública que
contemplasse a produção audiovisual. Em 2001, como resposta a uma grita geral
de pessoas ligadas à atividade, foi criado um edital a partir do qual houve uma
retomada (que ainda é tímida, em face da demanda por tanto tempo reprimida) da
qual meu primeiro longa é um dos representantes. Seguiram-se alguns editais
bissextos, através dos quais foram produzidos alguns poucos longas de ficção.
Quanto à viabilização de O HOMEM QUE NÃO DORMIA, deu-se a partir de 2007,
quando o roteiro foi aprovado em concursos promovidos pela Petrobras, BNDES e
em seguida também pelo Fundo de Cultura do Estado.
·
Como foi construir o roteiro de “O homem que não
dormia”, cuja trama você afirmou em outra ocasião, que foi concebida há 33 anos
e que lhe fez se debater com a necessidade psicologicamente pungente de
realizá-la?
O projeto havia sido deixado
de lado por muito tempo; depois decidi retomá-lo e obtive o apoio das
instituições mencionadas; a partir de então o processo de criação ganhou
parceiros inusitados, da mesma natureza imaterial do tesouro enterrado que se
constitui no núcleo da metáfora do filme. Era como se forças inconscientes de
colossal grandeza tivessem entrado em cena pra me ajudarem a compreender e
desenvolver os meios através dos quais a obra tomaria forma e corpo definitivo,
obedecendo a desígnios caprichosamente ditados por surtos contínuos e
alternados de inspiração e transpiração, além de pura e simples piração. Aliás,
isso nunca foi novidade pra mim, pois sempre admiti alta percentagem de delírio
e acaso no processo criativo de todos os meus filmes.
·
Em “Eu me lembro”, o personagem Guiga representa
você e seus conflitos. Em “O homem que não dormia” você também atua. Esse
personagem também tem algo em comum com seus conflitos pessoais? Como foi
dirigir e atuar no mesmo filme?
Tenho explicado isso da
seguinte maneira: enquanto o EU ME LEMBRO é um filme que trata de memória
consciente, O HOMEM QUE NÃO DORMIA trata de memória de vidas passadas. Mas
esteja claro que tudo isso se encontra no campo da pura especulação, sendo usado
apenas como pretexto pra desenhar uma parábola sobre esse tesouro de natureza
misteriosa que todos trazemos e que se confunde com a própria matéria da vida. “O
sentido dele é libertar as pessoas de amarração do destino, acabar com doença
da alma, trazer coragem pra enfrentar a vida, luz nova pro
coração, alegria de viver...”
·
Você estará presente no 2º Feciba, no próximo
sábado 7, em um bate-papo após o filme “O Homem que não dormia”, que será
exibido pela primeira vez em Ilhéus. Qual a sua expectativa para este festival?
Participei da primeira
edição do Feciba, quando exibimos meu primeiro longa; o que posso dizer acerca
da experiência é que foi extremamente positiva e estimulante. Espero que este
ano – e a cada nova edição – esse simpático evento atinja mais e mais sucesso.
Quanto ao bate-papo depois da sessão, aguardo com interesse o público ilheense
pra essa troca sempre valiosa de informações e experiências.
·
O Feciba é o primeiro festival voltado apenas para
exibição de produções de cineastas baianos. Para você, qual a importância desse
evento, sendo que ele é realizado em Ilhéus, interior do estado?
Estamos apenas na segunda
edição e o Feciba já se coloca como um evento relevante justamente por
privilegiar a produção baiana. Creio que este é justamente o diferencial do
Feciba. Quanto ao lugar em que se realiza, sou até suspeito pra falar, porque
considero Ilhéus uma das mais belas cidades que conheço, embora há muito tempo
esteja a merecer muito mais atenção e carinho das diversas administrações que
se sucedem e parece que nunca estarão à altura do povo que as elege. Muita
gente boa acha, eu também: política é o fim!
·
Inclusive Ramon Vane (Buerarema) e Valderez
Teixeira (Ilhéus), ambos jóias da cultura sul baiana, foram premiados no
Festival da Brasília, tanto em “Eu me lembro”, como em “O Homem que não
dormia”. Você ficou surpreso com as premiações que recebeu?
Nos dois casos, foi uma
alegria enorme ver uma atriz e um ator da região conquistarem prêmios tão
cobiçados. Não fiquei surpreso, pois confiava no talento de ambos, os quais, é
bom dizer, me foram apresentados por Rita Santana, minha mulher. Em ambos os
filmes ela fez questão de indicá-los pra os respectivos papéis Dona Val (EU ME
LEMBRO) e Ramon (O HOMEM QUE NÃO DORMIA).
·
Como você avalia o fomento ao audiovisual na Bahia
desde a retomada do cinema baiano em 2001, com “Três Histórias da Bahia”?
No que concerne ao
audiovisual da Bahia, de tanta tradição, há muitos anos esperávamos uma
reviravolta no quadro que se apresentou medíocre durante tantos anos em que
prevaleceu o carlismo. Entretanto, em face da expectativa que nutrimos com
relação àquele que se anunciou como um governo de mudança, só uma palavra é
capaz de definir nosso ânimo: a resposta tem sido decepcionante. Com a chegada
de Wagner ao Governo do Estado, esperávamos contar com uma política
revitalizante pra nossa atividade, mas o fomento tem sido irregular e precário,
até mesmo pífio. Queremos editais anuais que contemplem todas as áreas e
estágios do audiovisual, mas infelizmente o que estamos presenciando é uma
administração tímida, morosa, insegura. A Associação de Produtores e Cineastas
da Bahia tem tentado - sem resultado - dialogar com a Secretaria de Cultura e
com o próprio Governador do Estado. Estamos aguardando o desenrolar dos fatos;
esperamos que a atitude evasiva e irritante até agora mantida seja reavaliada e
que novos rumos para o cinema baiano sejam adotados.
·
Depois deste ciclo, que você já afirmou estar
fechando com “O homem que não dormia”, qual será sua próxima produção?
Estou concorrendo num edital
de apoio ao desenvolvimento de roteiros promovido pelo MinC. Nesse último
filme, acabo de contar a história de um homem condenado a uma espécie de morte
da alma mercê de sua maldade e avareza. Dessa vez quero contar a história de um
velho cuja bondade desmedida será - até seu desfecho - o móvel da ação. O filme
- se é que vai mesmo virar filme – toma como título o grito do SUPEROUTRO em
seu momento extremo, antes de se atirar do Elevador Lacerda. Só tem que, enquanto
o SUPEROUTRO era louco de pedra; esse agora é tão bom que chega a doer. Vejam:
insisto em continuar querendo fazer bonito
que nem eles e, ‘com a fé que o
Criador reservou aos puros, cumprir todos os desideratos do meu coração, sem
medo de ser punido, sequer pelas leis naturais que regem este velho mundo de
três dimensões’ - ABAIXO A GRAVIDADE!!!
Acesse o trailer de “O homem
que não dormia”:
____________________________________________________________________________________
Tacila
Mendes, 26 anos, é
comunicóloga e especialista em Audiovisual pela Universidade Estadual de Santa Cruz. Além de
fotografar e dar aulas nesta área, se envereda pela produção cultural da
região, escrevendo projetos para
captação de recursos e trabalhando também como assessora de imprensa. Fez parte da equipe da 1ª e da 2ª MUSA – Mostra Universitária Salobrinho de
Audiovisual; do projeto
Afrofilisminogravura; do 1º Festival de Cinema Baiano - FECIBA; o Bahia Sound
System e do Memórias do rio Cachoeira.
Gosta também de cantar e faz parte do projeto
"Mulheres em Domínio Público", do qual é uma das quatro
intérpretes. Foi eleita Conselheira
Municipal de Cultura de Ilhéus no setor de Audiovisual (2011).
Como gosta de conhecer gente, seus estilos e
formas de pensar, lugares e tudo que lhe parece diferente e interessante, propõe
um papo "Entre Vistas" a fim de descortinar esses mundos...