Despejei a farinha por cima da sopa amarela de dendê, e tinha tempo
que não fazia isso, de empurrar os dedos para o fundo do prato e começar a
cimentar o peixe; de em pouco, o arroz se amassava com a farinha e acabava por
despedaçar as postas de Vermelho, cobrindo o couro dos dedos com uma massa
argilosa e suculenta. Comer com a mão
tinha-me sido ensinado por meu pai em segredo, no tempo em que meu irmão e eu
enchíamos a pia dos fundos para afogar os brinquedos, e minha mãe não via.
Lembrei-me que depois de grande, eu vi minha avó comendo assim também,
e que na casa deles em Canavieiras, quando meu pai fosse moço, devia ser bem comum
e gostoso.
Quando acabei com o peixe, naturalmente que chupei barulhentamente
cada dedo, lembrando como isso irritava até meu pai, e fui para pia dos fundos
lavar as mãos. Acho que era então que meu irmão trazia para a pia os brinquedos
para a gente afogar, e nisso a gente levava a tarde inteira, até que minha mãe
aparecesse com a conta de água. Então brigávamos para puxar o tampão e ver cada
boneco beirar a borda e descer o redemoinho para o fundo do ralo; e
recomeçávamos a brincar, executando os salvamentos dos brinquedos que mais gostávamos.
A gente não parava de brincar.
Hoje eu não paro de comer.
Daniel Prudente é escritor, ator e artista pástico