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domingo, 11 de dezembro de 2011

Doloso - crônica de Daniel Prudente


Você não quer Rutinha, não quer casar? Não carece. Ele imaginava Rute imaginando o que melhor poderia dizer quando tivesse que abrir aquela boca por algum motivo, e sem muita volta ele pensou que era assim mesmo que ela pensava: “não carece”, é que a vaca teimava em parecer mais inteligente, e ele se punha a imaginá-la Rute imaginando, pensava qualquer coisa e era nele, de como era forte e sério e calado, e como era bonito quando comia com o maxilar mais frouxo, a colher virada para o
próprio peito, ela amaria aquele homem de bigode, aquele homem feio, e tão comum, escuta aqui, eu sou tua mãezinha, você me segura como se eu fosse égua, você me adora, eu sou muito burra pra você, e você gosta. Seria sensato repetir isso assim, como se fosse ela? você me responda, você é um bosta? Rute não sabia com quem lidava, ele jurava e não podia entender como empunhar uma faca para tirar-lhe o sangue, por maior esforço que fizesse, a brincadeira de imaginar-se Rute acabava antes que fosse descoberto, porque ainda que merecesse a pena, a sociedade lhe permitiria aquilo, seguir muito firme sendo um homem, e Rute, a burra não tinha percebido isso, ou percebeu e por isso mesmo fugia, e logo não era tão burra como parecia – Não existe homem culpado, Rute.