Início

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Presente de Natal – ELOAH MONTEIRO


Hoje acordei leve, bem disposta e com um balanço diferente no caminhar. Olhei o sapatinho que deixei na janela e ele estava com um recheio saborosíssimo. Depois do café da manhã, senti flutuar minh’alma e não pude cantarolar outra coisa, me rendi à bossa mais bossada que eu conheço, ao swing misterioso de João Gilberto.
Baiano de Juazeiro e violonista desde os 14 anos de idade, João era considerado um músico especial. Na década de 1940, amava ouvir Duke EllingtonTommy Dorsey,  Dorival Caymmi e Dalva de Oliveira, o que o fazia, em certa medida, eclético. Aos 18, se mudou para a capital e trabalhou como cantor de rádio e crooner[1]. Em 1950, foi para o Rio de Janeiro e passou a cantar no grupo Garotos da Lua. Porém, sua personalidade forte o fazia indisciplinado e logo foi expulso da banda, vivendo no anonimato por algum tempo.

Após conhecer Tom Jobim, gênio da nossa música, e um grupo de estudantes universitários de classe média, também músicos, o seu esforço finalmente foi recompensado. Nascera a Bossa Nova, agigantara-se João Gilberto. Como que gerado no ventre da nova tendência musical, o artista brasileiro mostrou ao mundo que menos é mais.
Criou a técnica que deslocou o centro das atenções para o violão. O instrumento que, na maioria das vezes, acompanhava a melodia principal começou a protagonizar com fraseado e harmonia sensacionais. A voz possante dos cantores de rádio da época deu lugar à técnica vocal uniforme, precisa, sem vibratos e sem alarde. O fraseado de Gilberto é tão peculiar e seus desencontros musicais – entre voz e violão – tão belos que, até hoje, o seu público é cativo e seu show novidade.
Representando a principal influência de toda uma geração[2], Joãozinho nem sempre foi compreendido pelo público leigo, mas é fácil reconhecer a sua originalidade e perfeccionismo. O talento que o permite misturar a batida jazzada do violão com o cantar comedido é imenso e indiscutível. Com seu requinte, transforma um violão em conjunto e voz em coadjuvante. Entretanto, de tão sutil a sua maneira de musicar, poucos são os que entendem, de fato, o seu propósito.
Por fim, um salve ao grande João Gilberto, porque melhor que escrever é ouvir a banda que ele carrega na ponta dos dedos tocar:





[1] Um crooner é um cantor de baladas populares normalmente acompanhado por uma orquestra completa ou uma big band.
[2] Caetano Veloso, Gilberto Gil, Novos Baianos, etc;




Eloah Monteiro, 23 anos, é cantora, atriz, baiana e jornalista.