Ao
abordar o imaginário popular na peça “Lendas da Lagoa Encantada” é que
percebemos a riqueza desse tesouro imaterial tão desprezado e desrespeitado
pelos que se dizem “letrados”. A sabedoria desses povos que ainda acreditam em
suas raízes baseiam-se no entendimento natural de uma convivência pacífica e
imbricada do homem com a natureza, sendo um ser uno de forma equilibrada e
sadia.
As
grandes nações do mundo com altos índices de desenvolvimento evidenciaram esses
registros baseados em seus mitos como a Grécia Antiga, por exemplo, considerada
o berço da civilização ocidental, pois ao acreditar nos mitos damos espaços
para ouvir nossa voz interior, nossa consciência, estabelecendo uma comunicação
através do inconsciente coletivo que ressoa um só sentimento.
No entanto,
somente os seres “conectados”, como o caso do menino Sozí, que na peça pode
comunicar-se com a natureza no sentido mais amplo da palavra. Segundo Jacobson,
o principio básico dos elementos no processo de comunicação são: emissor,
receptor, código, canal, mensagem, referente, sabendo-se também que qualquer
ruído, como o egoísmo e a ganância, citados na peça por exemplo, pode
interferir nesse processo, impedindo a sensibilização para a comunicação do ser
humano com Gaia, a Terra viva. Se começarmos a valorizar as coisas mais simples
poderemos perpetuar não só nossa espécie, bem como todas as outras que estão
conectadas conosco na grande teia da vida por um fio condutor que está se desgastando
a cada dia com o risco de quebrantar-se. Tudo isso, pela ambição cega que exaure
nossos recursos naturais.
O
verdadeiro progresso seria a conquista de mais tempo livre, para convivermos
mais com nossas famílias, para brincar de roda com nossos filhos, nossos
vizinhos, ouvindo as histórias e experiência de nossos anciões, ao invés de
ficar “entretidos” passivamente em frente a uma TV, sem qualquer interação. Não
podemos mais aceitar o enriquecimento ilícito e inescrupuloso de uma minoria a
custa de tudo e de todos em detrimento da exploração e do esgotamento dos
recursos naturais que não nos leva a lugar algum, a não ser, nossa
autodestruição com a justificativa de atender a demanda de um consumo
desenfreado de forma dispare aos padrões naturais de convivência.
A solução
está na simplicidade da vida na proximidade com seus pares, desta forma
acontecerá um desenvolvimento atrelado à preocupação do bem-estar humano simultaneamente
ao respeito para com as outras espécies, animais e vegetais, abordados na peça
teatral “Lendas da Lagoa Encantada”. Será que ainda não percebemos as
respostas que a natureza está nos dando, as áreas que não deveriam ser habitadas
e que os tsunamis atingem, os tigres que estão mudando seu comportamento e devorando
seres humanos, o sumiço das abelhas nos Estados Unidos, as enchentes. Os avisos
estão ai, como diz a frase chave do filme Avatar: “Cedo ou tarde é preciso
acordar!” Então quando será? Depois que não tivermos mais a Lagoa, o Parque do
Conduru, nosso lindo litoral, nossas baleias Jubarte?
Precisamos repensar nossa maneira
de viver, devemos interagir com a natureza de forma sadia e equilibrada
deixando de lado o consumo exacerbado, onde acima de tudo devemos SER, vivendo
o momento e buscando a felicidade em coisas simples através de relações
altruístas e de cooperação em um ambiente natural e conservado, ao invés de
TER, possuir bens materiais que são utilizados de forma egoísta, além de contribuir
com criação de uma lacuna de desigualdade social que está sendo preenchida com uma violência
desenfreada, dia após dia e que resulta no encontro de diferenças que não
conseguem mais ser separadas por muralhas e aparatos sofisticados de segurança,
que até outrora eram intransponíveis. Continuo a dizer que às
pessoas que estão na linha de frente, no poder, estão bloqueadas esquecendo-se
de sua missão pública e buscando benefícios próprios. Desta forma não estão
aptas para sintonizar Gaia a Terra viva. Realmente acho que o poder está nas mães erradas. Todavia ainda
há tempo, vamos conviver pacificamente respeitando a natureza e todos os seres,
inclusive nosso próximo.
O exemplo da Cia. Teatral Boi da Cara Preta
deixa bem claro que trabalhar com educação através da arte é acreditar na
essência do ser humano. Sei que é possível mudar o mundo, ainda acredito na
humanidade e são cenas como as da peça “Lendas da Lagoa Encantada” que nos
conectam ainda mais a mãe natureza, mostrando que devemos permitir a sensibilização
com os exemplos que estão a nossa volta, coisas simples da vida. Siga seus
instintos mais primitivos e de coletividade, não feche os olhos, um mundo
melhor é possível!!! Pegue um lixo no chão, cumprimente uma pessoa que você não
conhece, divida o pão, cuide de um animal debilitado, abrace uma criança e mostre
que o mundo não é tão cruel assim como a mídia sensacionalista explora! Muitas
vezes, pequenos e simples gestos podem tocam mais do que discursos demagógicos!
Ame a vida! Conviva! Desenvolver pra que? A palavra de ordem é envolver.
O enredo da peça me motivou a contar
uma experiência pessoal. Perto do ponto de ônibus aqui no Pontal-Ilhéus-BA sempre
vejo um morador de rua que lava os carros do pessoal do hotel, pelo simples
fato de cumprimentá-lo toda vez, perguntando como ele estava. De alguma forma ele
se sentiu notado, como igual, estabelecendo um vínculo comigo.
Inacreditavelmente ele tem mais cidadania do que a maioria dos motoristas que
passam com seus carrões desrespeitando a faixa de pedestres. Ele vai até a
faixa e acena para que todos parem para que eu possa passar. Não bastasse isso,
eu o observo lavando os carros com uma quantidade mínima de água e que ficam limpos,
a única exigência dele é que se deve deixar o som do carro ligado, diga-se de
passagem, com música de boa qualidade num tímido volume, diferentemente dos
motoristas mal-educados que esbanjam água para lavar suas “super-máquinas” empurrando
goela abaixo seu péssimo gosto musical ensurdecedor. Onde está a humanidade
nessa história? Com um homem e posses, ou com uma pessoa menos abastada? Na
simplicidade é claro! Com o exemplo desse ilustre cidadão é difícil não
retribuir a bondade a outras pessoas que encontramos por ai. Outro mundo é
possível, seja a mudança que você quer para o mundo! Creio que ainda veremos a
Lagoa Encantada ser repovoada pelo Peixe-boi, ilustre morador do litoral do sul
da Bahia que outrora vivia em abundância.
Quero aqui parabenizar o trabalho
da Cia. Boi da Cara Preta – Núcleo de Atividades para Infância e Juventude do
Teatro Popular de Ilhéus, em especial os dramaturgos Romualdo Lisboa e Elielton
Cabeça, a diretora Tânia Barbosa sempre brilhante, da direção musical
espetacular de Elielton Cabeça - que deu alma ao espetáculo, das vozes afinas e
preparada pelo competente Antonio Melo, pela presença marcante das
atrizes, cantoras e percussionistas Geisa Pena e Márcia Macarenhas e ao destaque
dos personagens menino Sozí pelo ator mirim Pablo Lisboa do (indiano) ator
Fábio Nascimento.
Só um último pedido! Vamos levar
essa peça para os moradores da Lagoa Encantada, eles precisam entender o quão
importante são para o ecossistema.
Bob
Monteleone, é licenciado em Artes Cênicas pela Escola de Comunicação e Artes da
USP, pós graduado em Docência no Ensino Superior de Turismo, Hotelaria e Lazer-SENAC,
professor, diretor teatral e educador ambiental.
Todas as
quintas ele escreve sobre Teatro Educação aqui no EUVEJOARTE.blogspot.com