O artista, aquele que transforma
o ambiente em que está presente é muitas vezes taxado como um ser desocupado,
vagabundo, por uma sociedade que vê na sua presença, um tumor a ser eliminado.
O mundo capitalista não entende como o ser humano pode trabalhar e ter prazer
nisso. Afinal o capitalismo nos obriga a ter empregos que odiamos para comprar
coisas que não precisamos, já dizia isso no excelente filme “O Clube da Luta”.
Agora a situação muda de figura quando este mesmo artista está nos holofotes,
na mídia, servindo de macaquinhos de realejo em programas de auditórios ou
bancando a divindade na tela da televisão. Esta grande farsa é uma epopeia
avassaladora de mentes, pois pegamos o mesmo ser humano em perspectivas
diferentes.
Então seguindo por estas
perspectivas diferentes, o artista pode ser um vagabundo ou um deus, depende do
ângulo de visão que o capital nos impõe. O artista vagabundo, caminha numa
estrada cheia de pedras pontudas, puxando a carroça palco, utilizando todos os
seus músculos para continuar seguindo em frente e em todo lugar que ele para, ele
precisa usar todo manejo de seu corpo para ganhar atenção e nessa condição ele
tem que agradar os transeuntes, para no final receber algumas moedas, que são
dadas como migalha e com desdém. O artista deus chega esbelto na sua carruagem,
com um tapete vermelho esperando-o para desfilar e uma verdadeira legião de
fiéis aguardando-o para ovacioná-lo. Todavia o que impulsiona e leva o artista
vagabundo a continuar seguindo em frente? Enquanto um serve a arte, o outro
serve ao dinheiro e é este é o grande embate que nos assola atualmente.
Tendo como ponto de partida a
nossa realidade atual, temos duas peças em cartaz no mesmo dia, a do vagabundo
e a do deus, qual peça será que as pessoas optarão por ir ver? O vagabundo pode
ser visto em qualquer lugar, uma vez que ele anda no meio destas pessoas,
enquanto, o deus são poucas chances de poder encontra-lo pessoalmente. O valor monetário do
espetáculo do deus difere muito do valor do espetáculo do vagabundo, um valor
muito mais exorbitante, mas as pessoas estão dispostas a pagar o que for
preciso apenas para assisti-lo e no outro dia comentar com os amigos. Então a
grande questão é colocada em pauta. As pessoas vão ao teatro para ver o artista
ou o trabalho a ser apresentado? A qualidade estética ou a beleza física do
ator? Será que estes dois artistas são tão diferentes assim? Um exemplo claro
de toma lá dá cá, é ver o artista deus contando uma piada e o público rindo sem
saber nem o motivo, apenas porque a massa riu. No outro dia, as pessoas abrem a
boca com todo orgulho para dizer que assistiu ao espetáculo do deus e comenta
sobre sua aparência, suas qualidades e defeitos e olha que só o viram de voyer.
Mas e o espetáculo? Do que fala o espetáculo?
E o vagabundo teve público? Pouquíssimas
pessoas o assistiram e essas pouquíssimas pessoas no outro dia comentavam sobre
a peça e a influência dela em suas vidas, como o espetáculo era visceral,
verdadeiro, simples e emocionante e como a partir do que viram pensariam duas
vezes na hora de decidir o voto durante as eleições. Qual é a grande diferença?
O artista vagabundo é um sonhador e acredita num mundo melhor através do seu
teatro, enquanto o artista deus ostenta um status que a população capitalista
quer alcançar. Veja a declaração de
Leila Marinho Laje ao ver este artista anticapitalista trabalhando na rua: “Artistas, pessoas
iguais a nós (ou quase), que vivem um mundo diferente, trabalham
pelo prazer, pela alegria e satisfação de fazer o que foram predestinados
a fazer, mandados por alguém lá de cima, em algum lugar que não
conhecemos. São cidadãos do bem e se sacrificam para viver da arte...”
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Ed Paixão é ator, professor de
teatro, palhaço e conselheiro municipal de cultural da área temática de teatro.