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quarta-feira, 2 de maio de 2012

Intempéries - por RODRIGO MELO*

Ed traga o cigarro e olha para Mitzuplik caminhando ao seu lado. Vê as marcas no rosto magro, profundas. Vê também as olheiras, as rugas e os cabelos rareados. Constata então, quase ao acaso, que Mitzuplik envelheceu e não é mais o mesmo cara de antes, uma espécie de playboy atlético e galanteador. Os excessos com a nicotina, com o conhaque, ou a vodka, e as vagabundas acabaram com ele. Hoje, era pra imaginar, apenas aquele sorriso amarelo, um sorriso fora de moda, envergonhado e meio gasto. Ed suspira, ele que nunca foi de suspirar. Porque o tempo passa. E Mitzuplik deve ter hoje uns 44, 45. Por coincidência, a mesma idade sua. 
Andaram na mesma turma, no mesmo colégio, nas mesmas festinhas embaladas ao som de Scorpions e Dire Straits. Lembra, entre a tragada na ponta do cigarro e o peteleco que dá nela, em tanta gente que se perdeu no emaranhado de situações que a vida nos faz passar e então sumiu, morreu, ficou louco, foi preso ou se deu bem. Calculou, ele mesmo, que existir seria mais fácil e que teria as chances sempre na mão. 
Mas ali do lado vai ele, Mitzuplik – os dentes com cáries, a gengiva inflamada, os rins e o pulmão em petição de miséria. Completamente estragado, coitado. Tão confiante quando menino. O problema de tudo, desconfia, está em acordar enquanto é tempo. Entender ou acordar, tanto faz. Mitzuplik não entendeu. Ele também não. Passa a mão pelos cabelos grisalhos, mais crespos que antes. Na vitrine de uma loja vê seu reflexo. 
O rosto não é estranho, mas também não o reconhece por inteiro, como se houvesse algo fora do lugar. A orelha, quem sabe. Ou o nariz. Na sua frente, repentinamente, os segundos se transformam em anos, décadas. Olha para Mitzuplik outra vez. Talvez devesse abraçá-lo, dizer que o mundo é bom e justo, que a partida ainda não começou. 
Mas ele estaria mentindo e sabe também que Mitzuplik não entenderia: por detrás da armadura, há ferrugem demais. Ferrugem e um tipo de esvaziamento. Ed então desiste do abraço e coloca as mãos nos bolsos da calça, enquanto um dente ameaça doer e ele pensa que vai parar fumar.
 
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Rodrigo Melo é filho de Eduardo e Márcia, irmão de Juliano e Murilo, casado com Thalita, pai de Amaralina, uma menina linda, e é também brodão de Diná e Brooks, que joga umas danças por aí. Além disso, escreve uma coluna, blablablá, no diário de ilhéus, quase todos os sábados.
 
 
 
 
fonte da imagem: http://frequencia-x.blogspot.com.br/2010/05/sarolta-ban-foto-manipulacoes-surreais.html
 

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