Ed
traga o cigarro e olha para Mitzuplik caminhando ao seu lado. Vê as
marcas no rosto magro, profundas. Vê também as olheiras, as rugas e os
cabelos rareados. Constata então, quase ao acaso, que Mitzuplik
envelheceu e não é mais o mesmo cara de antes, uma espécie de playboy
atlético e galanteador. Os excessos com a nicotina, com o conhaque, ou a
vodka, e as vagabundas acabaram com ele. Hoje, era pra imaginar, apenas
aquele sorriso amarelo, um sorriso fora de moda, envergonhado e meio
gasto. Ed suspira, ele que nunca foi de suspirar. Porque o tempo passa. E
Mitzuplik deve ter hoje uns 44, 45. Por coincidência, a mesma idade
sua.
Andaram na mesma turma, no mesmo colégio, nas mesmas festinhas
embaladas ao som de Scorpions e Dire Straits. Lembra, entre a tragada na
ponta do cigarro e o peteleco que dá nela, em tanta
gente que se perdeu no emaranhado de situações que a vida nos faz
passar e então sumiu, morreu, ficou louco, foi preso ou se deu bem.
Calculou, ele mesmo, que existir seria mais fácil e que teria as chances
sempre na mão.
Mas ali do lado vai ele, Mitzuplik – os dentes com
cáries, a gengiva inflamada, os rins e o pulmão em petição de miséria.
Completamente estragado, coitado. Tão confiante quando menino. O
problema de tudo, desconfia, está em acordar enquanto é tempo. Entender
ou acordar, tanto faz. Mitzuplik não entendeu. Ele também não. Passa a
mão pelos cabelos grisalhos, mais crespos que antes. Na vitrine de uma
loja vê seu reflexo.
O rosto não é estranho, mas também não o reconhece
por inteiro, como se houvesse algo fora do lugar. A orelha, quem sabe.
Ou o nariz. Na sua frente, repentinamente, os segundos se transformam em
anos, décadas. Olha para Mitzuplik outra vez. Talvez devesse abraçá-lo,
dizer que o mundo é bom e
justo, que a partida ainda não começou.
Mas ele estaria mentindo e sabe
também que Mitzuplik não entenderia: por detrás da armadura, há
ferrugem demais. Ferrugem e um tipo de esvaziamento. Ed então desiste do
abraço e coloca as mãos nos bolsos da calça, enquanto um dente ameaça
doer e ele pensa que vai parar fumar.
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Rodrigo Melo é filho de Eduardo e Márcia, irmão de Juliano e Murilo, casado com Thalita, pai de Amaralina, uma menina linda, e é também brodão de Diná e Brooks, que joga umas danças por aí. Além disso, escreve uma coluna, blablablá, no diário de ilhéus, quase todos os sábados.
fonte da imagem: http://frequencia-x.blogspot.com.br/2010/05/sarolta-ban-foto-manipulacoes-surreais.html
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