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sábado, 29 de setembro de 2012

O Som Tem Alma de Luz - por PAWLO CIDADE


“O tipo de relação criada entre o elemento sonoro e a cena pode determinar uma alteração na temperatura cênica.”
Livio Tragtenberg

Um som esquenta quando cumpre plenamente as expectativas da cena, esclarecendo, acentuando ou destacando uma leitura previsível ou já evidenciada. Enfim, imprimindo “alta definição” à sua intrevenção: dissipando dúvidas, ambigüidades, direcionando a leitura cênica.


Esta premissa, enfatizada por Livio Tragtenberg em seu “Música de Cena” (PERSPECTIVA, 1999) explica bem a função da música no espetáculo. No Teatro, tudo deve ser minuciosamente pensado. E a música não serve apenas para “preencher o vazio”, ela é parte integrante, é alma é, ironicamente, luz!

Você pode até estar perguntando agora: “Como o Som pode ser Luz, se são duas coisas completamente distintas?” Parece-nos paradoxal, mas o fato é que uma intervenção sonora neutraliza (se é assim que podemos dizer. Talvez Antonio Melo, nosso maestro, esclarecesse melhor) quando desvia o foco da atenção cênica com uma informação autônoma que não estabelece conexão com a situação cênica, nem cria um novo foco de atenção. “Por exemplo, uma sonoridade complexa, irreconhecível, desligada do universo timbrístico empregado, e com uma duração que impossibilita seu reconhecimento pelo espectador”, afirma Livio.

Quando montamos há alguns anos atrás “O Sorriso da Borboleta”, escrita a quatro mãos, a música era a alma da peça. Apesar da trilha ser americana, a letra, o timbre e a melodia sincronizavam-se com o ambiente da peça. As pessoas se envolviam com a trama e deixavam-se levar pela história tensa de um jovem que encontrou nas drogas “o caminho para a felicidade”. Não era uma apologia aos entorpecentes, mas, um alerta à sociedade sobre os efeitos que a heroína causava no organismo humano após uma aparente satisfação de prazer. O autor da trilha e também coautor do espetáculo foi Odilon Neto. Sensível a musicalidade  e configuração da trama ele não preencheu o teatro com a música. Pelo contrário, contou uma história que “esquentou” o conflito, liderou um clímax e criou um desfecho numérico entre os elementos das músicas escolhidas para as cenas criando uma textura inesquecível.

Assim, não basta preencher o espaço vazio na cena. Nem estabelecer uma relação direta do tipo: instrumento A = personagem A. Como diz Livio Tragtenberg: “O tipo de relação criada entre o elemento sonoro e a cena pode determinar uma alteração na temperatura cênica.”

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Pawlo Cidade é escritor, dramaturgo, diretor de teatro e membro da Academia de Letras de Ilhéus.

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