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domingo, 15 de abril de 2012

A graça do lixo em Itabuna - por GUSTAVO FELICÍSSIMO*


Que falta nesta cidade?... Verdade.
Que mais por sua desonra?... Honra.
Falta mais que se lhe ponha?... Vergonha.
Gregório de Mattos


Muito ouvi falar sobre a reportagem da Rede Globo acerca do problema do lixo em Itabuna, mas como cultivo o saudável hábito de quase não assistir a programas de TV, excetuando os de futebol, não vi a reportagem, muito embora esteja percebendo a repercussão avassaladora que a mesma vem tendo.
De tudo que li nada sintetiza tão bem o problema como o poema “A graça do lixo em Itabuna”, escrito pelo Piligra e disseminado pelo mesmo via Facebook. Trata-se de um soneto tecido sob o signo da ironia, em que o autor mostra-nos a “Farsa reinando em tribuna...” e vai além, diz-nos que “No lixo repousa a graça / Da cidade de Itabuna!”.

É fácil compreender a dialética do autor, pois os lixões são depósitos sem nenhum tratamento, com a diferença de que são institucionalizados, isto é, autorizados pela prefeitura. Esses depósitos causam a poluição do solo, das águas que bebemos e do ar, pois as queimas espontâneas são constantes. Muita gente pensa que se o lixão está longe de sua casa, ele não está lhe causando problemas. Isso é um grave engano.
Pior ainda é o fato de que o lixão atrai a população mais carente, que passa a se alimentar dos restos encontrados e a sobreviver dos materiais que podem ser vendidos. E o que o poeta faz é nos dizer, com outras palavras, que esse tipo de degradação humana não pode mais ser tolerada “No lixo que traz a morte...”.
            E assim caminhamos, não apenas com os lixões, mas também com as escolas em estado de penúria, a segurança pública que não oferece segurança, os hospitais sucateados, as vias urbanas mal pavimentadas, a cegueira entranhada no poder e a inevitável corrupção cada vez mais galopante. É por isso que o vocábulo “graça” - que aqui no nordeste é também sinônimo de “nome próprio” ou “alcunha” -, grafado no título do poema e no penúltimo verso esconde um escárnio, pois estaria o poeta dizendo-nos que “No lixo repousa o nome/ Da cidade de Itabuna”. Não rimaria, mas faria muito mais sentido.
Enquanto nossa indignação não ganhar as ruas, esse estado de coisas continuará como está: piorando sempre. Cabe à sociedade organizada, aos líderes comunitários, aos sindicatos, associações de bairro e aos raríssimos políticos de boa fé reagirem a tantos desmandos e descalabros.
Para finalizar, deixo sugestão às autoridades (in) competentes e comunidade em geral para que assistam ao documentário “Lixo Extraordinário”, dirigido pelos brasileiros João Jardim e Karen Harley, também pela britânica Lucy Walfer, sobre o trabalho do fotógrafo e artista plástico Vik Muniz, conhecido e reconhecido no mundo das artes por conta das suas obras feitas com materiais orgânicos e recicláveis, uma forma revolucionária de fazer arte. Ovacionado por grandes artistas, o documentário, lançado no Brasil e Reino Unido, tem aproximadamente 90 minutos e versa sobre arte e sobre pessoas sofridas que trabalham em um lixão.
Sem mais delongas, pois esse assunto me deixa um lixo. Vamos ao poema.

A graça do lixo em Itabuna...
Piligra

Eu sinto o cheiro do lixo,
No lixo o cheiro mais forte,
Pago a preço sempre fixo
O prefixo da má sorte...

Eu não entendo de sufixo,
Muito menos de suporte,
O mal cheiro não é prolixo
No lixo que traz a morte...

A morte cheira a desgraça,
Traça que corrói fortuna,
Do lixo nasce a trapaça,
Farsa reinando em tribuna...

- No lixo repousa a graça
Da cidade de Itabuna!

Gustavo Felicíssimo é escritor e editor da Mondrongo Livros – A Editora do Teatro Popular de Ilhéus.