Que falta nesta
cidade?... Verdade.
Que mais por sua
desonra?... Honra.
Falta mais que
se lhe ponha?... Vergonha.
Gregório de
Mattos
Muito
ouvi falar sobre a reportagem da Rede Globo acerca do problema do lixo em
Itabuna, mas como cultivo o saudável hábito de quase não assistir a programas
de TV, excetuando os de futebol, não vi a reportagem, muito embora esteja percebendo
a repercussão avassaladora que a mesma vem tendo.
De
tudo que li nada sintetiza tão bem o problema como o poema “A graça do lixo em
Itabuna”, escrito pelo Piligra e disseminado pelo mesmo via Facebook. Trata-se
de um soneto tecido sob o signo da ironia, em que o autor mostra-nos a “Farsa
reinando em tribuna...” e vai além, diz-nos que “No lixo repousa a graça / Da
cidade de Itabuna!”.
É
fácil compreender a dialética do autor, pois os lixões são depósitos sem nenhum
tratamento, com a diferença de que são institucionalizados, isto é, autorizados
pela prefeitura. Esses depósitos causam a poluição do solo, das águas que
bebemos e do ar, pois as queimas espontâneas são constantes. Muita gente pensa
que se o lixão está longe de sua casa, ele não está lhe causando problemas.
Isso é um grave engano.
Pior
ainda é o fato de que o lixão atrai a população mais carente, que passa a se
alimentar dos restos encontrados e a sobreviver dos materiais que podem ser
vendidos. E o que o poeta faz é nos dizer, com outras palavras, que esse tipo
de degradação humana não pode mais ser tolerada “No lixo que traz a morte...”.
E assim caminhamos, não apenas com
os lixões, mas também com as escolas em estado de penúria, a segurança pública
que não oferece segurança, os hospitais sucateados, as vias urbanas mal
pavimentadas, a cegueira entranhada no poder e a inevitável corrupção cada vez
mais galopante. É por isso que o vocábulo “graça” - que aqui no nordeste é
também sinônimo de “nome próprio” ou “alcunha” -, grafado no título do poema e
no penúltimo verso esconde um escárnio, pois estaria o poeta dizendo-nos que
“No lixo repousa o nome/ Da cidade de
Itabuna”. Não rimaria, mas faria muito mais sentido.
Enquanto
nossa indignação não ganhar as ruas, esse estado de coisas continuará como
está: piorando sempre. Cabe à sociedade organizada, aos líderes comunitários, aos
sindicatos, associações de bairro e aos raríssimos políticos de boa fé reagirem
a tantos desmandos e descalabros.
Para
finalizar, deixo sugestão às autoridades (in) competentes e comunidade em geral
para que assistam ao documentário “Lixo Extraordinário”, dirigido pelos
brasileiros João Jardim e Karen Harley, também pela britânica Lucy Walfer,
sobre o trabalho do fotógrafo e artista plástico Vik Muniz, conhecido e
reconhecido no mundo das artes por conta das suas obras feitas com materiais
orgânicos e recicláveis, uma forma revolucionária de fazer arte. Ovacionado por
grandes artistas, o documentário, lançado no Brasil e Reino Unido, tem
aproximadamente 90 minutos e versa sobre arte e sobre pessoas sofridas que
trabalham em um lixão.
Sem
mais delongas, pois esse assunto me deixa um lixo. Vamos ao poema.
A graça do lixo em Itabuna...
Piligra
Eu
sinto o cheiro do lixo,
No
lixo o cheiro mais forte,
Pago
a preço sempre fixo
O
prefixo da má sorte...
Eu
não entendo de sufixo,
Muito
menos de suporte,
O
mal cheiro não é prolixo
No
lixo que traz a morte...
A
morte cheira a desgraça,
Traça
que corrói fortuna,
Do
lixo nasce a trapaça,
Farsa
reinando em tribuna...
-
No lixo repousa a graça
Da
cidade de Itabuna!
Gustavo
Felicíssimo é escritor e editor da Mondrongo Livros – A Editora do Teatro
Popular de Ilhéus.