
As
crianças, talvez sejam os seres mais verdadeiros que existam. Quem já observou
uma menina brincando de boneca? Ela cuida, dá carinho, mima, como se a boneca
tivesse vida, mas para a menina de fato, a boneca tem vida, pelo menos no seu
imaginário e isso é o que pode ser chamado de criatividade, porém, conforme
essa menina vai crescendo e passando pela fase da adolescência, ela é duramente
censurada e inibida. Ela entende que a boneca não tem vida e que ela não deve
mais brincar com ela, depois vem àquelas velhas frases: você não pode fazer
isso, não pode fazer aquilo, você já não tem mais idade para isso... E aquela
criança que cuidava da boneca como uma filha é guardada no âmago do seu ser e
esquecida no vácuo até o fim da sua existência. Assim é a vida.
Encontrar
essa criança perdida e trazer ela de volta é o que dará origem ao ser chamado
de palhaço, que não tem medo do ridículo ou de se expor em público, pois nele
está presente à inocência da criança, o humor sem trapaças e isso resulta de
muito estudo, dedicação, do conhecimento de si mesmo e a verdade é que escola
nenhuma vai ensinar a verdadeira técnica de como fazer isso, porém através da
escola, seja de teatro ou do circo, é possível pelo menos preparar o corpo e
alma para a concepção deste indivíduo.
Durante
décadas muitas histórias surgiram sobre a origem do palhaço, não se sabe ao
certo a época, mas a mais crível é a história do camponês que saiu do campo
para trabalhar na cidade e não achou emprego, terminando por morar na rua, por falta
de trocados ou vintém. Sempre andava com o nariz vermelho por causa das quedas
que tomava pela embriaguez provocada pelo excesso do consumo de álcool. Como
não tinha dinheiro, muitas vezes ganhava ou achava roupas, que quase nunca
cabiam em seu corpo, por elas serem grande demais ou vice-versa, por isso as
roupas e sapatos desproporcionais. Algum tempo depois surge a figura cômica que
conhecemos, quando recebe finalmente o nome “palhaço” do italiano paglia,
“palha” em português e é batizado com esse nome por causa da roupa que usava
feita do tecido grosso e listrado dos colchões. “Essa roupa era afofada em
algumas partes, para proteger o corpo nos tombos e os palhaços ficavam
parecendo mesmo colchões ambulantes! Como naquela época o recheio dos colchões
era feito de palha, quem recheava aquela roupa era chamado assim, de palhaço.”
Ressalta Cláudio Thebas no seu Livro do palhaço
(2005).
Já
se perguntou por que no baralho todo mundo quer ter uma carta coringa na manga?
O motivo é que o palhaço representa a esperança, aquele que sempre tem uma
solução para todos os problemas e por mais difíceis que eles sejam, ele sempre
resolve com maestria. No circo, ele pode ser qualquer um, o malabarista, o
equilibrista, o trapezista... Ele é uma metamorfose ambulante e está atento o
tempo inteiro a tudo que acontece a sua volta, um espirro que alguém dá na
plateia, ele reage, por exemplo, tirando um lenço do bolso e oferecendo a
pessoa e são coisas que apenas, ele, o palhaço, tem licença para fazer, para
criar, para improvisar, sem quebrar as suas regras, claro. Os palhaços também
têm seus juramentos, seus códigos e valores que jamais deverão ser pisados. O
nariz vermelho do palhaço, a menor máscara do mundo é seu símbolo mais forte.
Cláudio
Thebas no seu Livro do palhaço faz
uma afirmação que alguns teóricos apoiam e outros são contra. “Muitas pessoas
falam palhaço, outras preferem dizer clown. Parece até que são duas profissões
diferentes. Mas não é bem assim. O que existe é palhaço, e ponto. Quando alguém
diz que é clown, está contando que é palhaço, sim senhor, e que estudou pelo
método teatral. É que aqui no Brasil a palavra clown está associada à escola de
teatro que é diferente da escola de circo.”
O
cômico, mímico e dramaturgo Dario Fo, despreza o tipo comercial que o
palhaço/clown se tornou nos tempos atuais pela mídia e aborda fortemente este
assunto no seu livro, Manual mínimo do ator
(2004). “Certos atores vestem uma bolinha vermelha no nariz, calçam sapatos
descomunais e guincham com voz de cabeça, e acreditam estar representando o
papel de um autêntico clown. Trata-se de uma patética ingenuidade. O resultado é
sempre enjoativo e incômodo. É preciso convencer-se de que alguém só se torna
um clown em consequência de um grande trabalho, constante, disciplinado e
exaustivo, além da prática alcançada somente depois de muitos anos...
Atualmente, o clown tornou-se um animador de festas de crianças: é sinônimo de
puerilidade simplória, da candura digna de um convite de aniversário, do
sentimentalismo babão. O clown perdeu sua antiga capacidade de provocação, o
seu empenho moral e político. Em outros tempos, o clown exprimia a sátira à
violência, à crueldade, a condenação da hipocrisia e da injustiça. Faz alguns
séculos, era uma catapulta obscena, diabólica...”
O
ator, palhaço, diretor e Doutor em Palhaçaria, Demian Reis, deixa claro em sua
tese “Caçadores de riso – o Mundo Maravilhoso da Palhaçaria” a seguinte
questão: “É interessante saber que quem introduziu o
nariz vermelho nas primeiras experiências com o clown na escola de Lecoq, na
década de sessenta, foi um estudante seu chamado Pierre Byland, que mais tarde
veio a lecionar na mesma escola. Lecoq se convenceu, neste período, que o nariz
vermelho, a menor máscara do mundo, ajudava as pessoas a exporem sua
fragilidade, seu ridículo e sua ingenuidade.”
Atualmente vemos o uso abusivo do nariz vermelho em manifestações
políticas como forma de ofensa, passando por cima de toda uma história e
tradição, todo um nome e significado. Por isso fica aqui esta campanha abaixo:
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Ed Paixão é ator, professor de
teatro, palhaço e conselheiro municipal de cultural da área temática de teatro.
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