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quarta-feira, 20 de junho de 2012

CULTURA PRA QUE? O Palhaço e seu nariz - por ED PAIXÃO


Está presente no imaginário popular que qualquer um pode ser palhaço, desde que coloque um nariz vermelho, pinte o rosto e faça palhaçadas. Engana-se cruelmente quem pensa dessa forma. A profissão de palhaço não é algo tão simples assim. Os seres humanos, devido a uma educação repleta de censuras, têm medo de virar motivo de chacota. O que os outros irão pensar de mim? E acabam por viver uma vida cheia de mentiras. Existe a vontade de ser você mesmo, mas ao mesmo tempo existe o medo da rejeição pela sociedade.

As crianças, talvez sejam os seres mais verdadeiros que existam. Quem já observou uma menina brincando de boneca? Ela cuida, dá carinho, mima, como se a boneca tivesse vida, mas para a menina de fato, a boneca tem vida, pelo menos no seu imaginário e isso é o que pode ser chamado de criatividade, porém, conforme essa menina vai crescendo e passando pela fase da adolescência, ela é duramente censurada e inibida. Ela entende que a boneca não tem vida e que ela não deve mais brincar com ela, depois vem àquelas velhas frases: você não pode fazer isso, não pode fazer aquilo, você já não tem mais idade para isso... E aquela criança que cuidava da boneca como uma filha é guardada no âmago do seu ser e esquecida no vácuo até o fim da sua existência. Assim é a vida.

Encontrar essa criança perdida e trazer ela de volta é o que dará origem ao ser chamado de palhaço, que não tem medo do ridículo ou de se expor em público, pois nele está presente à inocência da criança, o humor sem trapaças e isso resulta de muito estudo, dedicação, do conhecimento de si mesmo e a verdade é que escola nenhuma vai ensinar a verdadeira técnica de como fazer isso, porém através da escola, seja de teatro ou do circo, é possível pelo menos preparar o corpo e alma para a concepção deste indivíduo.

Durante décadas muitas histórias surgiram sobre a origem do palhaço, não se sabe ao certo a época, mas a mais crível é a história do camponês que saiu do campo para trabalhar na cidade e não achou emprego, terminando por morar na rua, por falta de trocados ou vintém. Sempre andava com o nariz vermelho por causa das quedas que tomava pela embriaguez provocada pelo excesso do consumo de álcool. Como não tinha dinheiro, muitas vezes ganhava ou achava roupas, que quase nunca cabiam em seu corpo, por elas serem grande demais ou vice-versa, por isso as roupas e sapatos desproporcionais. Algum tempo depois surge a figura cômica que conhecemos, quando recebe finalmente o nome “palhaço” do italiano paglia, “palha” em português e é batizado com esse nome por causa da roupa que usava feita do tecido grosso e listrado dos colchões. “Essa roupa era afofada em algumas partes, para proteger o corpo nos tombos e os palhaços ficavam parecendo mesmo colchões ambulantes! Como naquela época o recheio dos colchões era feito de palha, quem recheava aquela roupa era chamado assim, de palhaço.” Ressalta Cláudio Thebas no seu Livro do palhaço (2005).

Já se perguntou por que no baralho todo mundo quer ter uma carta coringa na manga? O motivo é que o palhaço representa a esperança, aquele que sempre tem uma solução para todos os problemas e por mais difíceis que eles sejam, ele sempre resolve com maestria. No circo, ele pode ser qualquer um, o malabarista, o equilibrista, o trapezista... Ele é uma metamorfose ambulante e está atento o tempo inteiro a tudo que acontece a sua volta, um espirro que alguém dá na plateia, ele reage, por exemplo, tirando um lenço do bolso e oferecendo a pessoa e são coisas que apenas, ele, o palhaço, tem licença para fazer, para criar, para improvisar, sem quebrar as suas regras, claro. Os palhaços também têm seus juramentos, seus códigos e valores que jamais deverão ser pisados. O nariz vermelho do palhaço, a menor máscara do mundo é seu símbolo mais forte.

Cláudio Thebas no seu Livro do palhaço faz uma afirmação que alguns teóricos apoiam e outros são contra. “Muitas pessoas falam palhaço, outras preferem dizer clown. Parece até que são duas profissões diferentes. Mas não é bem assim. O que existe é palhaço, e ponto. Quando alguém diz que é clown, está contando que é palhaço, sim senhor, e que estudou pelo método teatral. É que aqui no Brasil a palavra clown está associada à escola de teatro que é diferente da escola de circo.”

O cômico, mímico e dramaturgo Dario Fo, despreza o tipo comercial que o palhaço/clown se tornou nos tempos atuais pela mídia e aborda fortemente este assunto no seu livro, Manual mínimo do ator (2004). “Certos atores vestem uma bolinha vermelha no nariz, calçam sapatos descomunais e guincham com voz de cabeça, e acreditam estar representando o papel de um autêntico clown. Trata-se de uma patética ingenuidade. O resultado é sempre enjoativo e incômodo. É preciso convencer-se de que alguém só se torna um clown em consequência de um grande trabalho, constante, disciplinado e exaustivo, além da prática alcançada somente depois de muitos anos... Atualmente, o clown tornou-se um animador de festas de crianças: é sinônimo de puerilidade simplória, da candura digna de um convite de aniversário, do sentimentalismo babão. O clown perdeu sua antiga capacidade de provocação, o seu empenho moral e político. Em outros tempos, o clown exprimia a sátira à violência, à crueldade, a condenação da hipocrisia e da injustiça. Faz alguns séculos, era uma catapulta obscena, diabólica...”

O ator, palhaço, diretor e Doutor em Palhaçaria, Demian Reis, deixa claro em sua tese “Caçadores de riso – o Mundo Maravilhoso da Palhaçaria” a seguinte questão: “É interessante saber que quem introduziu o nariz vermelho nas primeiras experiências com o clown na escola de Lecoq, na década de sessenta, foi um estudante seu chamado Pierre Byland, que mais tarde veio a lecionar na mesma escola. Lecoq se convenceu, neste período, que o nariz vermelho, a menor máscara do mundo, ajudava as pessoas a exporem sua fragilidade, seu ridículo e sua ingenuidade.”

Atualmente vemos o uso abusivo do nariz vermelho em manifestações políticas como forma de ofensa, passando por cima de toda uma história e tradição, todo um nome e significado. Por isso fica aqui esta campanha abaixo: 





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Ed Paixão é ator, professor de teatro, palhaço e conselheiro municipal de cultural da área temática de teatro.



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