A presidência da Fundação Cultural de Ilhéus (Fundaci) está sob responsabilidade de
Paulo Atto desde janeiro deste ano. Produtor cultural, diretor teatral e consultor
em projetos de arte, cultura e desenvolvimento sócio-cultural desde 1983, ele, dentre
outras experiências, participou de programas, festivais, seminários sobre
cultura e artes cênicas na Alemanha, EUA, México, Rússia, Espanha, Venezuela,
Colômbia, Equador, Suíça, Canadá, Cuba, Dinamarca e Portugal. Foi coordenador
geral do Programa ArtEducAção Bahia em Ilhéus de 2003 a 2008 e dirigiu o
Projeto “Ilhéus Encena” e o espetáculo “Uma Viagem na Marinete de Tieta” de
Jorge Amado.
O ovo gestor tem pela frente, além de
arrematar a implantação do Sistema Municipal de Cultura, a captação e gestão
dos recursos, o trabalho de fomentar a dinamização cultural na cidade. Paulo
Atto nos conta nesta “Entre Vista” como vai atuar frente à Fundaci.
Tacila Mendes - Como vc avalia o cenário cultural da cidade?
TM - Quais as dificuldades encontradas pela nova gestão da Fundaci?
PA - O que eu encontrei é efetivamente uma situação
complicada. Da falta de recurso, que é um problema-chave, à inadimplência da
Fundação: a quantidade de dívidas que encontrei para serem resolvidas nessa
nova gestão é muito grande. Outro problema é a qualificação do corpo técnico. Há
uma defasagem, porque eles passaram muito tempo sem uma capacitação. Temos
pessoas muito preparadas tecnicamente, mas que precisam de uma atualização.
Os equipamentos culturais, como o
General Osório e o Centro Cultural de Olivença estão em estado de abandono. A Biblioteca
está funcionando temporariamente em uma casa para que atenda a comunidade, mas
já foi assaltada duas vezes. Os documentos que se encontravam no Arquivo
Público, foram levados para outro local para que não se percam, e vão passar por uma comissão, para ver quais
deles tem valor histórico para que sejam preservados adequadamente. Também vamos
reformar a Casa de Jorge Amado, nada muito grande, mas algumas coisas precisam de
pequenos reparos porque é uma construção antiga. Já o Teatro Municipal foi
fechado, a muito contragosto, mas pela necessidade mesmo, pois esperamos uma
perícia técnica feita por engenheiros, que apontou problemas graves que não permitem
que o espaço fique aberto até que sejam devidamente resolvidos. A maioria das
pautas para o Teatro previstas para esse início de ano foi cancelada pelos
próprios produtores, então, não houve grandes problemas quanto às pautas
marcadas.
TM - A
descentralização dos recursos na Cultura é fruto de uma política pública que
começou com a reestruturação do Ministério da Cultura, na gestão de Gilberto
Gil. Como você avalia o impacto desta política na Bahia?
PA - Eu
acompanhei bem de perto a atuação de Gil no Ministério. Acho que Gil fez uma
coisa importantíssima que é essa descentralização dos recursos, mas acho que
isso vem acompanhado de outra coisa mais importante que é o olhar, um olhar que
ultrapassa o sudeste e o sul. No âmbito estadual, temos um fato político
determinante que foi a eleição de Jacques Wagner, a entrada de um novo grupo no
poder. Aconteceu um alinhamento como jamais houve, resultando em uma sintonia
fina. Algumas pessoas que estavam no Ministério vieram para a Secult na época,
ajudando a compor esse modelo de gestão que alinhava o governo estadual ao
federal. Então, temos aí mais de seis anos de governo, mas ainda não temos o
Sistema Estadual implantado. Aqui na Bahia, temos apenas 80, dos 417 municípios
que assinaram termo de cooperação federativa com o MinC, o que é muito pouco. Aqui
em Ilhéus estou agilizando para deixar o sistema montado e legalmente
constituído através de decreto até o final de março, pois os requisitos necessários
estão bem adiantados. Então, temos agora uma Secretaria Estadual de Cultura
independente, que antes era atrelada ao Turismo e, por fim, a cultura na pauta
das discussões, o que é muito profícuo. A política de editais mobilizou o
setor, mas acredito que se deva pensar logo em uma forma de evoluir no sentido
do fomento, usando outras ferramentas. Diante desse quadro, acredito que a
gestão de Gil teve bons resultados aqui na Bahia.
TM - Ilhéus
está preparada para receber recursos FUNDO a FUNDO?
PA - Se for
preparada do ponto de vista legal, jurídico, basta que a gente estabeleça o
sistema todo, e o aprove até o final de março. Isso depende da câmara e de
outras instâncias da prefeitura, mas vejo um clima muito bom em relação à
cultura. Eu me sinto muito apoiado pelos outros secretários. Porém, em relação
ao Fundo, não sabemos ainda quantificar. Espero que seja muito, pois grande
parte do que emperra a política da cultura é relacionada a recurso. Queremos
trabalhar com programas de fomento, mas eu não estou querendo trabalhar apenas
com edital, que será realizado por
exemplo para a ocupação do Teatro.
TM - A
política de Editais, embora não seja a mais eficaz, é considerada hoje a forma
mais democrática de distribuição de recursos para artistas e produtores
culturais, porque evita, entre outras coisas, a "política de balcão".
O que você pensa sobre isso? A Fundação Cultural irá propor outras alternativas
de financiamento para os artistas?
PA - Os
artistas continuam de pires na mão. Até por que os editais, se você os analisa
com cuidado, os recursos para contemplar arte, os artistas, são poucos. A gente
tem uma parte substancial de recurso para a área de discussão política, de qualificação,
de projetos estratégicos, onde você vê muita gente da UFBA, professores
doutores, transpondo a discussão da área acadêmica para a da cultura, o que não
é ruim, mas acho que você termina dividindo demais os recursos. Essa crítica,
inclusive, eu tenho feito diretamente à Secretaria, dialogando com eles.
Quando você diz democrático, tenho dois pontos de
vista: o que se democratizou foi a possibilidade de apresentar o projeto, mas
não o acesso ao recurso, pois nós temos uma parcela muito pequena, cerca de 10%
dos que pleiteiam, que são atendidos de fato. Temos aí um funil que é
estabelecido não pela qualidade do projeto, mas pelo recurso. Outra coisa que
acontece com o edital é que a comissão que analisa é de fora, que acaba tendo
uma postura de isenção. Então quando você tem qualquer queixa, o que a
Secretaria diz é que foi uma decisão da comissão, que é externa à Secretaria de
Cultura ou à Fundação Cultural. Então acho que existem outros modelos que são
mais complicados de serem aplicados, mas que implicam um comprometimento do
poder púbico e que deveriam ser implantados pouco a pouco.
Falando agora especificamente dos editais voltados
para os artistas, temos que a arte é a área da meritocracia. Então requisitos
como o tempo, o trabalho, a repercussão, isso tudo tem um peso nas propostas e
que não é considerado, porque ali está sendo julgado é o formulário. Então se
começa a criar uma série de profissionais que se especializam em escrever
projetos para editais, e você tira do artista a autonomia em propor o seu
trabalho criativo, porque o que está sendo julgado é o que foi escrito, aí o
artista acaba ficando sob a tutela desse profissional. Acho que falta uma visão
mais crítica dos artistas em relação a isso, sobretudo no interior do estado,
porque na capital já há essa discussão.
TM - Mas
você não acha que um novo modelo de fomento/captação de recurso, diferente do
edital, seria incompatível com o que se está sendo discutindo aqui no momento?
PA - Acredito
que não, pois esse novo modelo contemplaria mais propostas. Já existe um outro
modelo, que é trabalhado na Europa, é um pouco mais complicado de implantar,
mas que contempla mais propostas. Nele, o artista vai apresentar um plano de
trabalho e serão considerados: a viabilidade técnica da execução do trabalho, a
capacidade de execução do artista entre outras coisas. Os grupos/artistas
propõem o que necessitam e o recurso vai ter um limite, mas vai buscar uma
capilaridade maior. Claro que essa é uma proposta que vai passar por
discussões, pelo Conselho, pelas as câmaras setoriais.
TM - Ilhéus
hoje possui uma política pública de Cultura de Estado. O que a gestão Paulo
Atto pensa, enquanto ações, para que esta política seja fortalecida?
PA - Passa
pelo fortalecimento institucional, com as câmaras setoriais funcionando de
maneira a achar soluções que possam ser compartilhadas. Também passa pela
vontade política da nossa gestão municipal, garanto que existe.
TM - Qual
sua opinião sobre o Plano Municipal de Cultura (PMC) de Ilhéus?
PA - O PMC
não é um plano de trabalho. Ele oferece diretrizes, mas o dia a dia, os
projetos, quem executa é a gestão, com o assessoramento do Conselho. Desse
modo, o Plano é mais um marco legal, para que tenhamos essa política de
governo, e ele certamente vai ser aperfeiçoado ao longo do tempo.
TM - Sabemos
que cumprir as 43 metas propostas pelo PMC será praticamente impossível na sua
gestão. Há prioridade para algumas delas?
PA - Olha,
a principal meta nossa agora é garantir a implementação do Sistema e discutir
ele à medida que formos implementando as ações. Outra coisa que precisamos
garantir são recursos. Estou estudando com muito afinco como vamos construir o
nosso orçamento.
TM - Qual
o perfil do profissional que vai atuar na Fundação Cultural de Ilhéus na sua
gestão? Ilhéus tem agentes culturais qualificados para ocupar esta pasta?
PA - Bom, aqui
temos um corpo técnico pequeno. Temos Geny Soares, que tem uma experiência
enorme em produção e que é hoje a pessoa que dirige o Teatro. Temos também uma
bibliotecária excelente que será nomeada em breve. No Memorial da Cultura
Negra, tem muita gente aqui na cidade qualificada para ocupar o espaço. Também
tem o administrador da Casa Jorge Amado, Odilon Andrade que é artista e produtor, além
de ter experiência na administração pública, e que trabalhou no gabinete da
prefeitura por muito tempo. Tem uma pessoa pensada que vai dirigir o Centro
Cultural de Olivença, que nós vamos revitalizar. Já aqui na Fundaci tem uma
pessoa muito competente na área administrativa financeira Raimundo Cunha, que
trabalhou a vida inteira nessa área. E por fim, temos mais uma pessoa que será
da área de fomento, que vai ser responsável pelos programas, e que não consegui
identificar aqui em Ilhéus esse profissional tão especializado, aí terei que
trazer de fora. Essa pessoa trabalhou na secretaria de cultura do estado e tem
uma boa articulação com o ministério, virá pronta para ocupar o cargo. Ao longo
do tempo, pode surgir a necessidade de contratar mais alguém, claro, a depender
da demanda.
TM - Você
acredita que Ilhéus estaria mais bem representada no cenário cultural se, ao
invés de uma Fundação de Cultura, possuísse uma Secretaria de Cultura? Por quê?
PA - Tecnicamente,
na administração, uma Fundação é um órgão executivo, para executar
programas. Então, uma fundação pode
assinar convênios, enfim, ela é uma autarquia, possui CNPJ próprio, mas isso
por outro lado nos obriga a ter uma estrutura administrativa própria, com
contador, controlador, divisão administrativo-financeira pessoal, é como se nós
fôssemos uma mini-prefeitura. Então, isso me ocupa um tempo para resolver
questões que não são necessariamente da Cultura. Então eu acredito que Ilhéus, pela sua população, pela pujança
cultural que tem, seria mais bem representada se tivesse uma secretaria de
cultura. Então, na secretaria, você pode se dedicar exclusivamente às questões
da cultura, por que toda essa parte administrativa com a qual temos que nos
preocupar enquanto Fundação, passará a ser responsabilidade da secretaria de
administração.
TM - A
autonomia e a captação de recursos não seriam mais fáceis através de uma
Fundação Cultural?
PA - Historicamente,
a Fundação Cultural de Ilhéus não é uma captadora de recursos. Até porque para
ser uma captadora ela precisa estar adimplente e muito poucas vezes ela esteve.
Como secretaria, nós também podemos captar recursos. Mas claro que essa é
decisão técnica, depende da controladoria geral do município, da secretara da
fazenda, mas essas trocas, em geral, são comuns na administração pública. Em
nível de representação seria um passo à frente, pois a cidade estaria mais bem
representada em âmbito nacional e estadual. Eu, por exemplo, não posso
participar do fórum nacional de secretário de cultura porque não sou
secretário. Outras cidades da Bahia, muito menores, já tem uma secretaria de
cultura, então, eu acredito que nós teríamos uma desenvoltura melhor para
trabalhar especificamente as questões da cultura se fôssemos uma secretaria,
além de poder ocupar a secretaria com cargos que realmente contemplem questões
da cultura.
TM - O
que a Fundaci prevê para a Casa de Cultura Jorge Amado, para o Teatro e para o
General Osório?
PA - Além
dos pequenos reparos na Casa de Cultura, faremos requalificação dos banheiros e
bebedouros, da própria lojinha, ampliar o acervo, os souveriers. Vamos mudar também o atendimento, a forma de
apresentação, a indumentária do pessoal que trabalha aqui, usar as roupas para
remeter à época dos livros de Jorge Amado, e estamos também fazendo uma
ouvidoria para saber o que os visitantes gostariam que tivesse aqui e que ainda
não tem.
Já o Teatro, queremos entregar com uma qualidade
técnica muito melhor. Por exemplo, o nosso equipamento de iluminação já é muito
bom, mas precisamos de mais refletores. Vamos passar por uma reforma estrutural
também, mudaremos as cadeiras, ar condicionado, cortinas, banheiros do foyer,
uma série de coisas que estão listados em um levantamento bem detalhado. Também
trabalharemos com uma política de ocupação do Teatro, possivelmente edital, estabelecendo
critérios que vão possibilitar a escolha de quem vai ocupar as pautas. Vamos
ter um período do ano em que vamos receber outros projetos no Teatro, festivais
que já estão previstos para acontecer
aqui este ano. Vamos estipular, ainda, preços especiais para a prata da casa e
outro diferenciado para quem vem de fora. Por fim, neste momento, falta a
cotação da última empresa, para que seja aberta a licitação e então poder
iniciar a reforma.
A biblioteca do General Osório será reformada e
totalmente recuperada para ser entregue à sociedade. Vamos criar um projeto de
ocupação, trabalhando o calendário ligado ao aspecto histórico da cidade. O
espaço precisa ser apropriado pela comunidade, dialogar com ela, senão ele
perde o sentido e terá outros problemas depois.
TM - O
que podemos esperar da Fundaci a médio e longo prazo?
PA - Nós
construímos, dentro de nosso planejamento, três diretrizes: a primeira é a
capacitação dos agentes culturais e vamos ampliar para várias áreas. Este ano
vamos trazer a capacitação em turismo cultural, em gestão empreendedora para
artesão, e também o curso de audiovisual com o premiado Sandoval Dourado, entre
outras. A segunda diretriz é a revitalização dos espaços da cultura, que passa
pelas reformas, pela manutenção. A terceira diretriz é o fomento, conseguir
recursos e dentro dessas diretrizes, aí teremos ramificações com programas,
projetos, ações, cursos, e teremos então a efetivação das ações a partir das
diretrizes. E vocês podem esperar de mim empenho total para dialogar e buscar
cumprir o que me propus a fazer.
Tacila Mendes, 26 anos, é comunicóloga e especialista em Audiovisual pela Universidade Estadual de Santa Cruz. Além de fotografar e dar aulas nesta área, se envereda pela produção cultural da região, escrevendo projetos para captação de recursos e trabalhando também como assessora de imprensa. Fez parte da equipe da 1ª e da 2ª MUSA – Mostra Universitária Salobrinho de Audiovisual; do projeto Afrofilisminogravura; do 1º Festival de Cinema Baiano - FECIBA; o Bahia Sound System e do Memórias do rio Cachoeira.
Gosta também de cantar e faz parte do projeto "Mulheres em Domínio Público", do qual é uma das quatro intérpretes. Foi eleita Conselheira Municipal de Cultura de Ilhéus no setor de Audiovisual (2011).
Como gosta de conhecer gente, seus estilos e formas de pensar, lugares e tudo que lhe parece diferente e interessante, propõe um papo "Entre Vistas" a fim de descortinar esses mundos...
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