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domingo, 24 de março de 2013

Sobre malandros, heróis, letras de música, o lado negro da força e a utópica possibilidade de ser feliz – por Rodrigo Melo


Armandinho não pára - vai e volta da cozinha carregando um banco, trazendo a cerveja, o copo lavado, o cinzeiro que acabou de limpar. Uma alma prestativa. É o que dizem: se você tiver algo pra fazer, e Armandinho estiver por perto, é muito possível que ele acabe fazendo por você - sem demora, sem reclamar. Assim funciona um sujeito inocente e feliz. Se digo feliz, é por dedução. Armandinho gosta de sorrir, às vezes só porque alguém sorriu também.  Eu era assim por volta de 86. Não sei se era feliz, talvez fosse, o caso é que eu sorria um bocado naquela época. Ah, 86: as tardes calmas, um chevy marrom cruzando a estrada pra Uruçuca, easy rider, easy life, Dennis Hopper regional.


 Desconfio que todo mundo carrega uma estrada, mesmo que esburacada, por aí.

No pátio da casa de Juva, Armandinho com o copo de cerveja na mão. Presta uma atenção enorme no que a gente diz, como se a qualquer instante fôssemos revelar o segredo do universo ou os números da próxima megasena. Desconfio que ele me considera um cara inteligentíssimo. Isso também é uma outra dedução. E, modestamente, eu alimento o mito. Vai que ele espalha. Depois de umas oito ou dez cervejas, às vezes escrevemos umas letras de música. São letras que não dizem muito, uma porção de frase de efeito que, juntas, não fazem sentido algum. Mas ele fica realmente satisfeito com o resultado dos nossos esforços, sorrindo e se balançando sem parar. Nessa hora a cerveja cai na sandália, no dedão do pé, e o que ele faz é sorrir mais. É de gente assim que o mundo precisa, penso comigo. Há intelectuais demais, políticos demais, malandros e heróis demais, todo mundo correto dentro das suas conclusões, todo mundo mandando bem, numa correria louca e desenfreada em busca de ter razão, de ser "cool", além do dinheiro e da tal realização. Um monte de gente (não digo todos, mas quase) falando das mazelas sociais só porque aquilo é socialmente bem aceito, falando da fila do SUS, do aborto, da camada de ozônio, da possível extinção do lobo guará, do biosustentamento(?) global ou de qualquer outra coisa assim. O importante é sair bem na foto e, claro, compartilhar a tal foto por aí.

Este, pra mim, tem sido o verdadeiro lado negro da força.

Também sou um pecador, claro, mas busco cada vez menos agradar. E se não quiser acreditar, dá no mesmo. Boa sorte pra você.

 Armandinho, por seu lado, segue puro - o mundo vil, o lado negro da força, ainda não o descobriu. Ele está sossegado: não pensa em ter iate ou razão, tampouco participa de Ongs, reuniões para decidir o futuro do bairro ou tem perfil no facebook com mil e tantos contatos. Creio que ele não dá nem nunca deu a mínima para esses troços. Egoísta? Provavelmente, mas quem, de alguma forma, não o é?  Todos temos nossas prioridades. A de Armandinho é ficar por ali, sorrindo, ajudando, levando um banco pra lá e pra cá. Cheio de inocência, sorrisos, quem sabe até feliz.

A mesma felicidade, imagino, que eu também tinha em 86.

Rodrigo Melo é filho de Eduardo e Márcia, irmão de Juliano e Murilo, casado com Thalita, pai de Amaralina, uma menina linda, e é também brodão de Diná e Brooks, que joga umas danças por aí. Além disso, escreve uma coluna, blablablá, no Diário de Ilhéus, quase todos os sábados.


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