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domingo, 17 de março de 2013

Um caubói no terminal – por RODRIGO MELO

Aperto o passo no terminal rodoviário, desviando, apressado em chegar até a próxima esquina, depois à outra, alcançando, talvez, o banco antes de fechar. Tudo fica pra depois. Se funciono com prazos, a verdade é que não importa se são 10 ou 100 dias, quando o tempo acabar estarei num desespero danado, pode acreditar.
A culpa, quem sabe, seja desse meu gosto por emoções.
Ok.
Então estou no terminal, me desviando dos estudantes, vendedores, funcionários das empresas de ônibus e donas de casa com suas sacolas de supermercado na mão. Todos têm também a sua pressa. Anseiam por chegar em casa ou em qualquer outro lugar. A terra gira, a gente não pode deixar de se mexer. A tal engrenagem da vida. O caso é que, no meio de toda essa Babel, descubro, sentado num banco de cimento lá no canto, uma figura destoante, desencaixada e esquecida com o seu cigarro entre os dedos.  
É um velho, com seus oitenta e poucos anos, o chapéu de vaqueiro, as botas de couro gastas. Usa uma camisa que lhe foi ofertada em alguma eleição: o sorriso do candidato e o slogan, logo embaixo. Algo como: “O Futuro é Nosso!”, ou qualquer coisa assim. Parece uma piada ruim. Diminuo o ritmo e presto atenção nele, sobretudo nas botas que usa – cheia de penduricalhos, mais velha que ele, talvez. Por algum motivo, tento imagina-las novas e, ao fazer isso, imagino-o mais novo também, como se fossem uma coisa só: o mesmo cigarro entre os dedos, os cabelos menos brancos, as costas menos curvadas, sorrindo e flertando com a mulherada, a segurança que aquelas botas lhe davam. Tento imaginar seu nome, mas podem ser tantos. Não deixa de ser divertido inventar a vida que talvez tenha tido, um mundo de situações e possibilidades, e eu poderia passar a tarde inteira ali. Mas a terra gira e me lembro do banco. Aperto o passo novamente e não olho mais para trás.

 Quarenta minutos depois, sinto-me um vencedor, pois cheguei a tempo, paguei a conta antes do banco fechar (a depender do dia, a gente se convence com tão pouco).

Volto pra casa apressado, esquecido daquele brilho de vida que me surgiu no terminal: a feliz e venturosa estória dum caubói grapiúna com suas botas e um cigarro de palha na mão.
Mas a mente é fértil, o subconsciente é também uma ilha de edição. Dias depois, lembro-me dele, encolhido naquele banco, talvez um outsider às avessas, um sábio andarilho e benfeitor que fez do mundo sua casa (uma espécie de Keith “Kung Fu” Carradine regional). Tudo é possível. Imagino-o então na porta de sua casa, a cadeira de balanço, a árvore na frente, um cachorro com sarna a assustar as galinhas no quintal. Não há pressa. Nem contas pra pagar. Somente o barulho do rio, perto. E as botas, recém lavadas, postas em cima de uma pedra pra secar.

 

Rodrigo Melo é filho de Eduardo e Márcia, irmão de Juliano e Murilo, casado com Thalita, pai de Amaralina, uma menina linda, e é também brodão de Diná e Brooks, que joga umas danças por aí. Além disso, escreve uma coluna, blablablá, no Diário de Ilhéus, quase todos os sábados.



Um comentário:

Anônimo disse...

Sou fã dessa cara.